Florianópolis, 12 de junho de 2003 | Zero | Página 10

-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
RESUMINHO
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Livro condena inércia e impunidade

Por Adriana Kuchler
Jornalista e ex-aluna do Curso de Jornalismo da UFSC

O jornalista Percival de Souza decidiu descansar quinze dias em Porto Belo, Santa Catarina, no começo desse ano porque estava exausto emocionalmente. O que deixou o novo comentarista policial do programa Cidade Alerta tão cansado? Escrever e ter que falar sobre o seu livro mais recente Narcoditadura - O caso de Tim Lopes, Crime Organizado e Jornalismo Investigativo no Brasil (Labortexto Editorial, 272 páginas, R$ 35,00, 2002). Em seu “livro vingador”, escrito em apenas 45 dias, Souza disseca o assassinato do repórter da TV Globo e amigo Tim Lopes e, a partir desse caso, mostra o poder do narcotráfico e do crime organizado no país.

Com 35 anos de experiência em jornalismo policial, Percival de Souza chorou muito ao apurar as informações e ao escrever o livro. “Sinceramente, gostaria de não ter sido preciso escrever Narcoditadura. Ele me angustiou, me deixou e deixa amargurado.” Ele cita uma ocasião especial em que se sentiu humilhado: para reconstituir o caso teve que subir a favela da Grota, onde Tim foi morto, escondido dentro de um caminhão de entrega. Isso porque, depois do assassinato, toda vez que um jornalista aparecia no morro era recebido aos gritos de “Vai ter mais Tim!”

Com o livro, Souza quer mostrar aos jornalistas e estudantes de jornalismo como é o trabalho investigativo e incentivar para que existam mais “Tins” nas redações. Para isso, ele escancara os bastidores do crime organizado, desde o envolvimento da polícia à impunidade instituída e alerta para a necessidade de que a imprensa denuncie a situação. “Se o livro for discutido, se forem tomadas providências sobre as denúncias, aí sim, encontrarei um bálsamo consolador”, explica.

Por estar tão próximo do tema, o jornalista às vezes carrega o texto com emoção demais. A reportagem chega, em certos trechos, a se parecer com um romance. Algo difícil de evitar num trabalho feito em tão pouco tempo, sendo o crime tão recente, e autor e personagem principal sendo tão amigos.

Além do reconhecimento no meio jornalístico, Tim Lopes e Percival de Souza têm mais coisas em comum. Os dois ganharam o Prêmio Esso de Jornalismo e fizeram muitas matérias de impacto (Tim mostrou as feiras de drogas em favelas do Rio de Janeiro e Percival escreveu livros como Society Cocaína e Autópsia do medo: Vida e morte do delegado Sérgio Paranhos Fleury). Alimentavam uma certa decepção pelo jornalismo atual, em que repórteres deixam de correr atrás da notícia para que a notícia corra atrás deles, mas também trocavam confidências.

No livro, Souza faz um jogo de palavras, chamando Tim pelo seu nome de batismo, Arcanjo, que, segundo a bíblia, seria um mensageiro divino. Triste coincidência é saber que Arcanjo também era o nome de João Arcanjo Ribeiro, empresário e bicheiro responsável pela morte de outro jornalista brasileiro, Domingos Sávio Brandão, no ano passado.

-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------