Parte da carga de um caminhão que
ia para a Colômbia foi roubada. Um fato que não
merecia registro nem mesmo nos jornais locais, e no entanto
foi noticiado pela mídia internacional. Motivo:
tratava-se de quinze exemplares de Vivir para Contarla
, primeiro dos três volumes da autobiografia Gabriel
Garcia Márquez, prêmio Nobel em 1982 e o
mais famoso escritor latino-americano vivo.
Com uma tiragem inicial de dois milhões de exemplares,
lançamento simultâneo nos países de
língua espanhola e tradução prevista
para 35 idiomas, o livro é um fenômeno editorial.
Na Argentina, filas de espera foram abertas uma semana
antes do lançamento, dia 10 de outubro. Na Espanha,
300 mil exemplares se esgotaram em oito dias. Por aqui,
a editora Record já garantiu o lançamento
da versão brasileira, mas ainda não há
data prevista. Para os leitores mais ansiosos, a Livraria
Cultura, de São Paulo, está importando a
versão em castelhano do livro, a R$77 o exemplar.
A repercussão está sendo proporcional à
espera. Márquez não publicava desde 1997,
e há três anos descobriu que tinha câncer
linfático. Foi então que decidiu escrever
suas memórias, projeto que vinha pensando e repensando
há uma década. Para ele “a vida não
é o que se viveu, mas o que se recorda e como se
recorda para contá-la”. Proveito para o leitor,
que se depara com 579 páginas de um Márquez
repleto de lembranças, e que tem ou coloca nelas
o realismo fantástico – estilo literário
que mistura realidade, mito e magia – que o consagrou.
Muito antes da consagração, porém,
o livro traz um Gabito (de Gabo, apelido do autor)
que nasce em 1928 na cidade de Arataca, Colômbia,
onde viveu até os oito anos. Nesse período,
é o menino curioso que acompanha a avó por
toda a parte, e ouve fascinado mãe e tias conversando
sobre mitos locais. Mais tarde, o estudante de Direito
que abandona a faculdade para se tornar jornalista, profissão
que logo dividirá com a de escritor. Um escritor
de vinte anos influenciado por Kafka, Faulkner, Joyce,
Virgínia Woolf que, diante de um crítico
literário que menosprezara a nova geração
de ficcionistas colombianos, em artigo no jornal El
Espectador, envia um conto para o jornal. Ele acaba
sendo publicado e elogiado: “Nasce um novo e notável
escritor”, diz o mesmo crítico. Se Gabo
tinha talento, faltava-lhe dinheiro para comprar um só
exemplar da publicação. Quando enfim lê
o jornal, deixado no banco de trás de um táxi,
fica frustrado, e diz que “o conto é uma
merda”.
Além das histórias do jovem repórter
querendo ser escritor e das curiosidades da infância
e adolescência de Márquez, Vivir para
Contarla brinda o leitor com passagens detalhando
suas influências literárias e fazendo referências
aos lugares e pessoas que deram vida e inspiração
aos seus personagens. E se já era sabido, por exemplo,
que a sua cidade-natal Arataca serviu de espelho para
a Macondo de Cem Anos de Solidão, agora
se saberá por que. E serão conhecidos também
os motivos pelos quais o avô do autor servia de
ponto de partida para a saga dos Buendía, e também
para o romance Ninguém Escreve ao Coronel.
A morte de um amigo toma a forma de ficção
em Crônica de uma Morte Anunciada. Baseados
nos pais do autor, foram criados Firmina Daza e Florentino
Ariza, o casal de O Amor nos Tempos do Cólera,
livro considerado pelo próprio Márquez como
o melhor que já escreveu.
Boatos de que o autor estaria nos seus últimos
dias e teria escrito um texto de despedida correm em diversos
sítios da internet. Basta digitar seu nome completo
em um canal de busca como o Yahoo para se encontrar
dezenas de páginas da Web que reproduzem a brincadeira,
literal e literariamente, de mau-gosto. Nas palavras do
Nobel colombiano, trata-se de algo feito por um “escritorzinho
medíocre”. A verdade é que ele, Márquez,
vive atualmente entre o México e os Estados Unidos,
se dedicando ao tratamento e à continuação
de Vivir para Contarla.
O segundo volume da série, com lançamento
previsto para 2004, lembrará a trajetória
do autor desde o fim da juventude até os quarenta
anos, quando escreveu Cem Anos de Solidão,
seu livro seu de maior sucesso. A obra impulsionou sua
carreira e já vendeu mais de 30 milhões
de exemplares, sendo definido pelo poeta Pablo Neruda
como “o melhor romance em língua castelhana
depois do Quixote”. Já o terceiro volume
trará histórias de suas relações
de amizade com grandes líderes mundiais, como Bill
Clinton e Fidel Castro. Este, inclusive, de quem Gabo
é amigo pessoal há décadas, declarou
em entrevista que “na próxima encarnação,
quero ser Garcia Márquez”. Os americanos
que se cuidem.
Thiago Momm
"Mi madre me pidió
que la acompañara a vender la casa. Havia llegado
a Barranquilla desde el pueblo distante donde vivía
la familia y no tenía la menor idea de cómo
encontrarme. Preguntando por aquí y por allá
entre los conocidos, le indicaran que me buscara en la
libraria Mundo o en los cafés vecinos, donde iba
dos veces al día a convesar com mis amigos escritores.
El que se lo dijo le advirtió: “Vaya com
cuidado porque son locos de remate”. Llegó
a las doce en punto. Se abrió paso com su andar
ligero por entre las mesas de libros en exhibición,
se me plantó enfrente, mirándome a los ojos
com la sonrisa pícara de sus días mejores,
y antes que yo pudiera reaccionar, me dijo:
– Soy tu madre.
Algo había cambiado en ella que me impidió
reconocerla a primera vista. Tenía cuarenta y cinco
años. Sumando sus once partos, había pasado
casi diez años encinta y por lo menos otros tanto
amamantando a sus hijos. Había encanecido por completo
antes de tiempo, los ojos se le veían más
grandes y atónitos detrás de sus primeros
lentes bifocales, y guardaba un luto cerrado y serio por
la muerte de su madre, pero conservaba todavia la bellaza
romana de su retrato de bodas, ahora dignificada por un
aura otoñal. Antes de nada, aun antes de abrazarme,
me dijo com su estilo ceremonial de costumbre:
– Vengo a pedirle el favor de que me acompañes
a vender la casa.
No tuvo que decirme quál, ni dónde, porque
para nosotros sólo existía una en el mundo:
la vieja casa de los abuelos en Aracataca, donde tuve
la buena suerte de nacer y donde no volví a vivir
después de los ocho años. Acababa de abandonar
la faculdad de derecho al cabo de seis semestres, destinados
más que nada a leer lo que me cayera en las manos
y recitar de memoria la poesía irrepetible del
Siglo de Oro español. Había leído
ya, tracidos y en ediciones prestadas, todos los libros
que me habrían bastado pra aprender la técnica
de novelar, y había publicado seis cuentos en suplementos
de periódicos, que merecieran el entusiasmo de
mis amigos y la atención de algunos críticos.
Iba a cumplir veintitrés años el mes siguiente,
era ya infractor del servicio militar y veterano de dos
blenorragias, y me fumaba cada día, sin premoniciones,
sesenta cigarrillos de tabaco bárbaro. Alternaba
mis ocios entre Barranquilla y Cartagena de Indias, en
la costa caribe de Colombia, sobreviviendo a cuerpo de
rey de lo que me pagaban por mis notas diarias en El Heraldo,
que era casi menos que nada, y dormía lo mejor
acompañado posible donde me sorprendiera la noche.
Como si no fuera bastante la incertidumbre de mis pretensiones
y el caos de mi vida, un grupo de amigos inseparables
nos disponíanos a publicar una revista temeraria
y sin recursos que Alfonso Fuenmayor planeaba desde hace
tres anõs. ¿Qué más podía
desear?
Más por escasez que por gusto me antecipé
a la moda en veinte anõs: bigote silvestre, cabellos
alborotados, pantalones de vaquero, camisas de flores
equívocas y sandalias de peregrino. En la obscuridad
de un cine, y sin saber que yo estaba cerca, una amiga
de entonces le dijo a alguien: “El pobre Gabito
es un caso perdido”. De modo que cuando mi madre
me pidió que fuera com ella a vender la casa no
tube ningún estorbo para decir-le que sí.
Ella me planteó que no tenía dinero bastante
y por orgullo le dije que pagaba mis gastos.
En el periódico en que trabajaba no era posible
resolverlo. Me pagaban tres pesos por una nota diaria
y cuatro por un editorial cuando faltaba alguno de los
editorialistas de planta, pero apenas me alcanzaban. Traté
de hacer un préstamo, pero el gerente me recordó
que mi deuda original ascendía a más de
cincuenta pesos. Esa tarde cometí un abuso del
cual ninguno de mis amigos habría sido capaz. A
la salida del café Colombia, junto a la librería,
me emparejé com don Ramón Vinyes, el viejo
maestro e librero catalán, y le pedi prestados
diez pesos. Sólo tenía seis.
Ni mi madre ni yo, por supuesto, hubiéramos podido
imaginar siquiera que aquel cándido paseo de sólo
dos dias iba a ser tan determinante para mí, que
la más larga y diligente de las vidas no alcanzaría
para acabar de contarlo. Ahora, com más de setenta
y cinco años bién medidos sé que
fue la decisión más importante de cuantas
tuve que tomar en mi carrera de escritor. Es decir: en
toda mi vida."
Para ler o primeiro capítulo,
em espanhol:
Grupo Editora Norma (http://www.norma.com)