Número 1 - Ano I - Edição fechada em 29 de Julho de 2002 Florianópolis-SC
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Torcedor ainda consegue se emocionar na final mesmo sabendo do resultado / Foto: Wagner Maia - ZeroDurante um mês inteirinho tivemos que nos manter acordados para ver a Copa 2002. Vai demorar outro mês para recuperar o sono perdido. Mas no fim foi gratificante. O brasileiro saiu de alma lavada. Tínhamos um time desacreditado e pior...nossos maiores rivais estavam na crista da onda. Argentina, França e Itália figuravam entre os favoritos para leva a taça. Por fim, acabou dando em Pentacampeonato para o Brasil. Como estampou na capa o francês Liberation, o Brasil ressuscitou! Mas a primeira Copa sediada por dois países não serviu apenas para a confirmar a supremacia do futebol brasileiro. O mundo passou a conhecer craques como os senegaleses Diouf, Camara, Fadiga e Bouba Dioup. Nos encantamos com o futebol do espanhol Raúl, do irlandês Robbie Keane e do inglês David Beckham. O argentino Verón e o meia francês Djorkaeff, por outro lado, não repetiram as atuações que os levaram à glória em 1998. A Copa trouxe a volta da Celeste Uruguaia depois de doze anos de ausência. Foi a primeira de Senegal, Eslovênia, China e Equador e a última de craques como o croata Suker (artilheiro da Copa passada), o espanhol Hierro (maior goleador da “Fúria” em mundiais), o meia belga Walem e o goleiro encrenqueiro, gordo e paraguaio Chilavert. O “futebol decadente” como definiu o francês Viera, acabou por cima da carne seca. De mansinho, o Brasil venceu.

Pedra no sapato - Nunca em uma Copa viu-se tantos resultados inesperados. De anfitriã desacreditada à equipe revelação do mundial, a Coréia do Sul impressionou até mesmo o mais fanático torcedor do país. A maré-vermelha, como ficou conhecida a torcida coreana, ainda parece abismada com a campanha da seleção nacional. Os asiáticos mandaram para casa mais cedo três favoritos ao título - Portugal (na primeira fase), Itália (nas oitavas-de-final) e Espanha (nas quartas) sentiram na pele a eficácia do futebol coreano. Aliando velocidade à disciplina técnica (implantada pelo técnico holandês Guus Hiddink), a Coréia venceu quatro partidas e só não foi à final porque encontrou pelo caminho o futebol de resultados da vice-campeã Alemanha.

Já os turcos foram comendo pelas beiradas. Tiveram o caminho facilitado pelos cruzamentos das fases eliminatórias (enfrentaram um inexperiente Japão e um cansado Senegal). O exército turco só curvou-se diante do gol de bico do artilheiro Ronaldo.

Os suecos não chegaram tão longe - foram derrotados na morte súbita das oitavas-de-final - mas tiveram o mérito de se classificar no chamado “Grupo da Morte”, que reunia as campeãs Argentina e Inglaterra, além da sempre perigosa Nigéria. Aliás, eliminar os argentinos na primeira fase foi o grande feito da Suécia.

Por fim, Senegal. Não dá para chamar de zebra uma seleção formada por jogadores que jogam no futebol francês. Porém, não deixa de ser surpreendente os africanos terem se classificado jogando contra adversários como a França dos craques Zidane e Trezeguet, e o Uruguai - que apesar de há décadas não ter conseguido resultados expressivos, conta com craques como Recoba e Montero.


Fenômeno - O mundo não entendeu. Ronaldo recuperou-se da lesão que o afastou por dois anos dos gramados, esqueceu o trauma da final de 1998 e foi o artilheiro da Copa com oito gols. Apesar de tudo isso perdeu o título de melhor jogador para o goleiro alemão Oliver Kahn. Para quem não lembra, Kahn engoliu um verdadeiro frango na partida final da Copa. Soltou um chute de Rivaldo nos pés do artilheiro. A partir daquele momento o Brasil tomou conta do jogo e logo fez o segundo, novamente com Ronaldo. Não deu para entender. Parece que o prêmio foi uma espécie de consolação àquele que era a única esperança alemã. Pegou mal.

Mas isso não abalou Ronaldo em seu retorno. Ele deu a volta por cima e respondeu à altura a todos que não acreditavam na sua volta aos gramados. Se igualou ao rei Pelé em número de gols em Copas do Mundo (fez quatro na Copa da França e oito neste ano) e não deve parar por aí. Ronaldo tem 25 anos e no mínimo mais uma Copa pela frente. Daqui a quatro anos vai estar tinindo. É o que se espera. Pode se tornar o maior artilheiro do Brasil em Mundiais e honrar o apelido que recebeu nos anos em que brilhou no futebol europeu. Ronaldo voltou a ser Fenômeno.

De quatro em quatro anos voltam às ruas os patriotas de ocasião / Foto: Carlos Chernij - Zero O apito pode ter decidido muita coisa nesta Copa. E os maiores beneficiados com os erros dos senhores árbitros foram - não se sabe bem porque - Coréia do Sul e Brasil. É difícil afirmar que se agiu de má-fé, mas a Comissão de Arbitragem poderia ter tido um pouco mais de cuidado ao escalar os juízes. Colocar um árbitro coreano, sem nenhuma experiência internacional, para comandar a estréia da seleção brasileira, cheira a agrado político. E o tiro acabou saindo pela culatra. Depois de ter marcado um pênalti inexistente em cima do atacante Luizão, o coreano foi afastado do quadro de árbitros da Copa. Nas oitavas-de-final o Brasil também foi favorecido. Na partida contra os belgas um gol de cabeça do atacante Wilmots foi anulado pelo árbitro da partida. Até hoje se tenta saber o porquê. A pior arbitragem aconteceu, porém, na partida entre Coréia do Sul e Espanha pelas quartas-de-final. O juiz do jogo conseguiu anular dois gols legítimos dos espanhóis e ainda marcar um impedimento duvidoso em favor dos coreanos. Mais estranho ainda é lembrar que a Coréia havia se classificado em uma partida conturbada contra a Itália. Os europeus reclamam da expulsão do atacante Totti que teria, segundo o juiz, simulado um pênalti. No mesmo jogo um gol do meia italiano Tomasi foi mal anulado. É melhor pensar que foi tudo coincidência. Os erros de arbitragem são normais...as jogadas acontecem em frações de segundo e afinal...sem esses pequenos equívocos o futebol não teria a menor graça.


Baixo nível - Há quem diga que foi o baixo nível técnico dos adversários que fez com que o Brasil vencesse sete partidas consecutivas. São os mesmos que sustentam a idéia de que a Argentina e França teriam feito a melhor final desta Copa. Pois as duas seleções foram incompetentes quando um mínimo deslize poderia causar-lhes a desclassificação. A até então divina seleção francesa saiu do mundial de cabeça baixa sem ter marcado um único gol. Mostrou-se dependente demais do futebol do astro Zidane. O meia se machucou pouco antes do início da Copa e só jogou na última partida dos franceses. Mesmo contundido foi o melhor em campo. Foi o único que se salvou. Volta para casa tranqüilo. Para os argentinos, o grande problema - além da exagerada soberba que os levou a entrar em campo como quem faz um passeio de fim-de-semana - foi o técnico Marcelo Bielsa. Ele deixou de fora da convocação os astros Riquelme e Saviola. Preferiu levar os já decadentes Hernán Crespo e Caniggia. Além disso não soube mexer na equipe. Quando precisava dos astros Verón e Simeone em campo, preferiu inovar e escalou Kily Gonzales e Aimar. E, para quem não lembra, o Brasil acabou tendo um caminho bastante difícil até o título. Passou por cima da retranca belga na partida mais difícil da fase eliminatória, dinamitou a forte Inglaterra dos craques Beckham e Owen, venceu apertado a surpreendente Turquia e esculachou a tradicional Alemanha do goleiro Kahn. Portanto, não foi tão fácil assim...

Esquema suicida - Felipão arriscou. Enquanto o Brasil pedia Romário ele preferiu apostar na recuperação de Ronaldo e Rivaldo. Os dois foram decisivos para o título. Juntos fizeram treze gols em sete partidas. A média é de quase dois por jogo.

A idéia de jogar com três zagueiros nunca agradou aos brasileiros. Muito pelo contrário, nos fazia lembrar da trágica Copa de 1990. Pois Scolari manteve os três ali, mesmo que tivessem a mesma característica de zagueiros centrais, que pouco marcam pelas faixas laterais e têm dificuldades de sair jogando pelas alas. Felipão escalou o capitão Cafu praticamente como um quarto zagueiro, dando Penta trouxe alegria para todas as idades / Foto: Carlos Chernijmaior liberdade para Roberto Carlos ir para o ataque. Manteve Gilberto Silva preso à marcação e Kléberson um pouquinho mais solto no meio. Liberdade mesmo, só para o trio de “erres” do ataque. Com isso o Brasil sofreu no meio-campo. Pouco desarmou, pouquíssimo criou. Não marcou sob pressão no campo de ataque, não tabelou, não jogou o que podia ter jogado. A entrada de Ricardinho poderia ter dado um maior equilíbrio tático à equipe. Contudo, o Brasil venceu. Os 170 milhões de técnicos brasileiros não acreditavam no esquema suicida de Scolari mas foi com ele que trouxemos o Penta para casa.


Marcos Franzoni

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