22 de Março de 2025 Número 2 - Ano I - Edição fechada em 21 de Novembro de 2002 Florianópolis-SC
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Joãozinho e Pedrinho são vizinhos. Pedrinho propõe uma troca: você me dá seu guarda-chuva e eu lhe entrego meus sapatos de camurça. Negócio fechado. Na primeira tempestade, Joãozinho rouba o guarda-chuva para proteger seus sapatos novos. Pedrinho fica descalço e encharcado. Foi mais ou menos isso que o governo fez com a oposição e a sociedade quando regulamentou por medida provisória a entrada de capital estrangeiro nas empresas jornalísticas. O Conselho de Comunicação Social, cuja criação foi a condição exigida pelos parlamentares da oposição para que aprovassem a emenda do capital estrangeiro, não foi sequer consultado.

A assinatura de Fernando Henrique Cardoso na MP 70, de 1o de outubro, permite que empresas jornalísticas nacionais, de mídia impressa, rádio e televisão, vendam até 30% de seu capital social para investidores estrangeiros, e até 100% para pessoas jurídicas brasileiras. É a regulamentação da emenda constitucional número 36, que depois de muita polêmica foi promulgada em maio. A aprovação no Congresso Nacional só ocorreu porque a bancada da oposição condicionou seu voto à criação do Conselho de Comunicação Social, um órgão auxiliar do Congresso, previsto na Constituição e que durante 10 anos foi uma promessa não cumprida. O conselho é um órgão formado por representantes de empresas, sindicatos e da sociedade em geral. Sua função é emitir pareceres ao poder Executivo sobre regulamentos e normas relacionados à comunicação.

Em maio, quando as garantias para a composição e instalação do conselho foram asseguradas pelo governo, Daniel Herz, o coordenador geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, entidade que convenceu a oposição a trocar a aprovação da emenda 36 pela criação do conselho, declarou: “Trata-se de um espaço institucional que abre para a sociedade, democraticamente, condições de incidência sobre o Legislativo e o Executivo, viabilizando, publicamente, o que antes só estava ao alcance dos lobbies empresariais”. Passados cinco meses, tamanha empolgação foi frustrada. Após assinar a regulamentação da emenda 36, o ministro das Comunicações, Juarez Quadros, reconheceu que “fizemos a medida provisória e não um projeto de lei a pedido das empresas. Elas pediram agilidade, falaram que há muito interesse dos investidores externos em fazer operações com as empresas de comunicação do Brasil”.

Ao invés de consultar o Conselho, o ministro declarou ter discutido o texto da regulamentação com o relator da emenda 36, deputado Henrique Cardoso Alves (PMDB-RN), cuja família é proprietária de duas afiliadas da rede Globo, cinco emissoras de rádio e um jornal no Rio Grande do Norte. No fim de 2001, quando foi criado o Código de Ética da câmara, o que obriga o parlamentar a se declarar impedido de votar assuntos que sejam relacionados a seus interesses patrimoniais, Cardoso Alves atestou que a emenda 36 “não foi feita para aumentar o patrimônio de um ou outro deputado, mas um princípio para beneficiar um setor”. A assessoria jurídica da presidência da Câmara concordou. Se o código fosse respeitado, o mínimo de 308 votos necessários para aprovar emendas constitucionais jamais seria alcançado, porque pelo menos 50 deputados federais são proprietários de empresas de comunicação.

Em nota oficial assinada por seu coordenador, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação criticou a atitude do executivo. O documento destaca que “sonegar ao Congresso e à sociedade a apresentação da proposta de regulamentação feita pelo governo Fernando Henrique Cardoso corresponde ao pior uso que se poderia fazer de uma medida provisória e expressa uma atitude autoritária e antidemocrática”. A MP só pode ser assinada em casos de urgência, ou seja, quando existe perigo de danos, e relevância, vinculada unicamente à realização do interesse público.

Outro problema apontado pelo Fórum é a inconveniência da regulamentação do ingresso do capital estrangeiro sem a prévia regulamentação do artigo 221, que prevê a regionalização da produção cultural, artística e jornalística. “Proporcionar a entrada do capital estrangeiro, antes que seja regulada a incidência do Art. 221 consiste numa inversão tumultuária do processo legislativo e num desrespeito ao comando constitucional” alertou o Fórum.

Regulamentação - Dentre as determinações da MP que regulamenta a emenda do capital estrangeiro, uma das mais polêmicas trata dos fundos de investimento de carteiras de ações. A permissão para que eles pudessem investir nas empresas de comunicação estava na minuta do projeto de lei, que ficou em consulta pública. Apesar de ter sido retirada do texto enviado à Casa Civil, em 2 de setembro, foi restabelecida no texto da MP. Os fundos e investidores individuais, poderão investir em empresas de rádio e televisão aberta, por intermédio de carteiras de ações, submetendo-se às mesmas regras válidas para os demais investidores. Mas se o fundo desejar participar de um grande número de empresas de radiodifusão em todo o país, por exemplo, só poderá fazê-lo caso controle ou indique administrador para apenas uma delas. Nas demais empresas, o fundo precisará manter menos de 20% das ações, com ou sem direito a voto. Caso o fundo pretenda assumir participação relevante, igual ou superior a 20%, em mais de uma empresa, terá de se submeter aos limites da legislação de radiodifusão de 1967. Essa legislação determina, por exemplo, que um mesmo controlador não pode ter mais de 10 emissoras de TV no país, sendo cinco em UHF e cinco em VHF, limitadas a duas por estado. Se a carteira de ações for de fundo estrangeiro, ele não poderá superar o limite de 30%.

Outro ponto da regulamentação estabelece que os sócios estrangeiros, ou brasileiros naturalizados há menos de dez anos, só poderão participar das empresas, de mídia impressa ou de rádio e TV, de maneira indireta, por intermédio de pessoas jurídicas constituídas e sediadas no País. A MP estabelece ainda que toda alteração do controle societário dessas empresas deverá ser comunicada ao Congresso. No caso das emissoras de rádio e TV, a comunicação será feita pelo órgão do Executivo responsável pelo setor, que atualmente é o Ministério das Comunicações. No caso dos jornais e revistas, cada empresa fará a comunicação. Entre as atividades a serem exercidas só por brasileiros estão a responsabilidade editorial, a seleção e direção da programação veiculada e a gerência das empresas.

Indiferença - Após a publicação da MP no Diário Oficial, senadores e deputados tiveram seis dias para apresentarem emendas ao texto, mas apenas o PT fez sugestões de alterações. O partido apresentou dez emendas aditivas e modificadoras, entre elas a retirada do artigo 10 da Medida Provisória, em que os investimentos de carteira de ações não estão sujeitos às limitações, desde que o titular não indique administrador em mais de uma participação societária. Se não conseguir, o PT quer definir um limite mínimo de 5% do capital votante para os titulares dos investimentos. O Partido dos Trabalhadores também pediu que fosse acrescentado um artigo em que até 90 depois da publicação da MP o Ministério das Comunicações fizesse o recadastramento das composições societárias das empresas de radiodifusão, comunicando ao Congresso Nacional e ao Conselho de Comunicação Social as alterações no controle das empresas.

Além da omissão dos outros partidos, a imprensa também colaborou para a indiferença quanto à medida. Apesar da liberação de entrada de capital estrangeiro ser uma discussão que ocorre desde 1996, quando o projeto original foi apresentado pelo deputado Aloysio Nunes Ferreira (PSDB–SP), a criação de uma MP no lugar de um projeto de lei foi pouco criticada pela mídia, já que a medida favorecia as empresas de comunicação às vésperas do primeiro turno das eleições presidenciais.

Dilson Branco
Colaborou Camila Paschoal



As Medidas Provisórias foram criadas na Constituição de 1988 substituindo os também criticados decretos lei previstos nas Constituições anteriores. A MP é editada pelo presidente da República, tem poder de lei e entra em vigor antes mesmo de ser aprovada no Congresso.

É instrumento para que o presidente da República possa solucionar situações emergenciais, em que a demora do processo legislativo, em tese, ocasionaria prejuízos à nação. Mesmo possuindo finalidade clara, as medidas provisórias vem sendo utilizadas pelo executivo de maneira arbitrária e inconstitucional: de setembro de 2001, quando a Emenda 32 alterou o prazo de vigência das MPs, 36 medidas já tramitaram no Congresso.

Nenhum presidente usou tantas MPs quanto Fernando Henrique Cardoso. Ele editou 160 no primeiro mandato e 123 no atual. É seguido por Itamar Franco, com 141 medidas provisórias em apenas dois anos de governo, por José Sarney , com 125 MPs em cinco anos e Fernando Collor com 87 MPs em dois anos. Algumas medidas são reeditadas por FHC desde o governo Itamar. Nos seis primeiros anos de governo, o presidente editou e reeditou 3.752 MPs, uma média de 1,7 por dia, (incluindo sábados, domingos e feriados).

Para votar uma MP é preciso a presença de 257 dos 513 deputados no plenário, a aprovação depende de maioria simples e não existe necessidade da contagem de votos no painel. A MP tem validade de 60 dias e pode ser renovada pelo mesmo período.
Vitor de Brites

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