Número 2 - Ano I - Edição fechada em 21 de Novembro de 2002 Florianópolis-SC
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Foto: Wagner Maia - ZeroOs catarinenses deram a prova definitiva de que estão com Luís Inácio Lula da Silva no comício de Florianópolis na última quarta-feira antes da eleição. Mais de 30 mil pessoas se espremeram no Largo da Alfândega, aguardando desde as seis horas da tarde a chegada do candidato do Partido dos Trabalhadores à Presidência da República. Logo que a banda Guaypeka começou o primeiro show da noite, ficou claro que ninguém estava ali por causa dos artistas convidados. Queriam ver Lula em seu último comício do segundo turno eleitoral. Isso em sua noite em que o time de futebol mais popular do Brasil enfrentava o mais popular de Santa Catarina no estádio Orlando Scarpelli. E foi o próprio Lula quem melhor definiu o entusiasmo do momento: “Isso não é um comício. Isso aqui é uma aula de pós-graduação em Sociologia Política”.

E a capital catarinense finalmente colaborou com Lula. A chuva e o mau tempo, que já haviam atrapalhado seus comícios no segundo turno de 89 e no primeiro turno dessa campanha, dessa vez passaram longe. Em todos os lugares do Centro de Florianópolis se encontrava gente com adesivos do PT, camisas com o nome de Lula e cabos eleitorais de Luiz Henrique da Silveira trazidos de Joinville especialmente para o evento. Discutia-se política na porta dos colégios e na frente dos bares e restaurantes, onde muita gente preferiu esperar a chegada de Lula. Pais com bebês e crianças compareceram em grande número, para orgulho do presidente eleito: “Em um comício com baderna, bagunça e ladrões, um pai não levaria seu filho”.

Os policiais do posto do Largo da Alfândega não registraram nenhuma ocorrência grave, mas a multidão, aguardando o petista atrás do palanque, acabou bloqueando a rua que desce a Praça XV. Muitos deles, como a gaúcha Helena Vaghetti, queria apenas aproveitar para ver Lula de perto. Outros estavam ali porque acreditavam que Luís Inácio era o único que poderia resolver seus problemas. Um grupo de funcionários das empresas Cipla, Profiplast e Interfibra, todas de Joinville, queria entregar ao candidato uma carta contando como o dono das três empresas vem atrasando salários e deixando de depositar o FGTS.

Foto: Wagner Maia - Zero “A Justiça do Trabalho é lenta e defende o dono da empresa, fizemos uma greve para protestar contra o atraso dos salários e foram demitido 79 funcionários sem receber seus direitos”, conta Idemar Lopes, que trabalhou cinco anos na empresa, se demitiu porque não recebia e até hoje não viu a cor do seu dinheiro. Embora evite criticar abertamente, Lopes não acredita que a Prefeitura ou o Governo se interessem pelo problema. “O Lula pode fazer alguma coisa, a gente sabe”, diz Lopes. Até as nove da noite cada vez que alguém da organização dizia que Luís Inácio iria atrasar um pouco, os joinvilenses cochichavam entre si, com medo de não conseguirem falar com ele. Quando souberam que o candidato iria do aeroporto e diretamente para o palanque, a decepção foi visível. “Mas tudo bem, um cara da organização garantiu que ia entregar a carta em mãos”, disfarçou um deles.

Eles acreditam em Lula porque se identificam com ele. O ex-torneiro mecânico e líder sindical que lutou com os trabalhadores do ABC paulista parece ser o único dos candidatos que vai se importar em resolver os problemas cuja solução sempre foi adiada. E Lula procura se manter junto a esse povo para não perder de vista seus problemas. Para a crítica do adversário de ser despreparado, Lula enfatizou: “Me preparei conhecendo todo meu país, estado por estado e acho que temos muitos problemas porque nossos dirigentes preferem viajar pra Paris e Londres ao invés de ir para Xanxerê e Concórdia”. Com esse perfil, o candidato enchia de entusiasmo todos que queriam a mudança do modo como o Brasil é governado. Nas palavras do apresentador, era “um mar de catarinenses com o coração cheio de esperança”. Antes mesmo de subir no palanque, várias vezes os gritos de “Brasil decente, Lula Presidente” encobriam a voz do apresentador. “Nunca na história do Brasil um Presidente da República ficou mais de quatro horas no Pará. Os nossos governantes deviam olhar pra cara do nosso povo e entender como pensam essas pessoas”, pregava Lula em um dos pontos mais emocionantes do comício.

Foto: Márcio H. dos Santos “Lula presidente e Figueira campeão”?! -
Desde as seis da tarde as camisas e bandeiras vermelhas de quem desembarcava no Terminal Urbano de Florianópolis se confundiam com as rubro-negras dos torcedores do Flamengo que iam ao estádio. Das 20h30min em diante, aqui e acolá, eleitores com radinhos preferiam ignorar o discurso de aliados menos representativos do PT e se concentrar no que acontecia no estádioOrlando Scarpelli. Mesmo na frente do palco era possível encontrar cidadãos como Ricardo Brasil, que saiu do trabalho com a camisa do Figueirense, mas resolveu parar no Largo da Alfândega para acompanhar a festa. “Eu sou sócio do Figueirense e torço pro Flamengo, mas é a última vez que o Lula vem pra cá. Depois ele vai governar o país durante oito anos e vai ser difícil outra noite como essa. Futebol tem outra hora” conclui. Um outro torcedor aproveita a oportunidade e pergunta como estava o placar do jogo. Naquele momento 1x0 para o Flamengo.

Para quem pensa que a consciência política de Ricardo Brasil era uma exceção, quando a senadora eleita Ideli Salvatti saudou os torcedores do Figueirense que estavam presentes, não foram poucas vozes que responderam - para manter a diplomacia foi necessário saudar também a torcida do Avaí. Dez e meia e o Figueirense faz 2x1 no Flamengo e, poucos minutos depois Lula, entra no palco acompanhado de José Fritsch (PT) e Luiz Henrique (PMDB), anunciando nos discursos que acabariam com uma das últimas oligarquias que governam.

Foto: Márcio H. dos Santos Alguém joga para Lula uma camiseta do Flamengo que começa a exibi-la, até que José Fritsch alerta, constrangido, que o rubro-negro estava jogando contra um dos times da cidade. Lula disfarçou como pôde e, enquanto o ex-candidato do PT ao governo do estado discursava, choviam camisetas para que Lula autografasse, até o candidato desistir de assiná-las. Todos os que estavam espalhados pelo centro se concentraram no Largo da Alfândega. O jogo acabou quando Fritsch concluía seu discurso, e aos poucos, muitos torcedores chegaram em tempo de ver Lula. O Largo da Alfândega chega ao ponto máximo de lotação, todos apenas esperando Fritsch e Luiz Henrique completarem seus discursos para ouvir o futuro presidente do Brasil.

Por toda a mobilização que Lula conseguiu no Estado, não é de estranhar que além de se eleger, ele tenha levado junto Luís Henrique. A mobilização do governador Amin (PPB) foi discreta, se limitando a uns poucos cabos eleitorais visivelmente constrangidos, agitando bandeiras em frente a catedral. Uma única eleitora com um adesivo de Amin colado na camiseta foi ouvindo gozações e pedidos de voto até o terminal. “Tão bonita e tão burra” foram os comentários mais sinceros que se ouviu em frente ao famoso café. Durante o discurso de Luís Henrique, a notícia da vitória do Figueirense foi se espalhando de boca em boca. Enquanto ele e José Fritsch anunciavam a vitória sobre os tradicionais donos do país, dois ou três otimistas chegaram a ensaiar um coro de “Lula presidente e Figueira campeão”, mas não foram longe. A segunda parte da frase era obviamente, um exagero.

Foto: Márcio H. dos Santos“Esse caboclo deve ser meu cabo eleitoral” - Depois de agradecer aos catarinenses pela maior porcentagem de votos que teve em todo o paísno primeiro turno, Lula afirmou estar satisfeito com o apoio das dez legendas que estavam representadas no comício. Também rebateu eventuais críticas de militantes petistas por ter se aliado a Luís Henrique, lembrando que Santa Catarina foi escolhido como local do comício de encerramento mesmo não tendo candidato do PT no segundo turno. Isso porque além da votação que o Partido dos Trabalhadores teve, o candidato do PMDB ao governo não era um estranho para Lula: “A primeira vez que vim para Santa Catarina, em 78, foi a convite do Luiz Henrique, para falar de direitos dos trabalhadores”. Explicou também, que essas alianças não são eternas e podem acabar se descobrirem que os objetivos do PMDB são muito diferentes do PT. “Aliança política é como casamento, não dá certo, então separa” comparou Lula.

Em seguida foi o momento de bater nos adversários, começando por Amin, que chegou a imprimir panfletos e adesivos com seu nome junto ao de Lula. “Ao invés de ser chamado governador, ele devia ser chamado de imperador, de tanto tempo que ele governa esse estado, (...) espero que os catarinenses não se confundam. Meu candidato aqui é o Luiz Henrique. E o Amin que vá fazer cédula com o nome do Serra”.

Foto: Wagner Maia - Zero Quanto ao candidato do PSDB à presidência, Lula manteve um tom de ironia e deboche ao comentar as críticas raivosas que recebia: “no meu programa eleitoral, eu falo do meu projeto. No horário do PSDB eles falam mais de mim que do José Serra, tô desconfiado que esse caboclo deve ser meu cabo eleitoral. Se o Serra não parar de falar meu nome é capaz de ele votar em mim no dia 27”. Rebateu as críticas por não comparecer a todos os debates televisivos mostrando que tem que apoiar candidatos em 14 dos 15 estados onde há segundo turno. “O Serra não tem pra onde ir, tem mais setores do PMDB comigo do que com ele. Até o Alckmin tem feito santinhos com o ‘Lula lá e Alckmin aqui’, se bobear, tem mais setores do PSDB comigo do que com o Serra”, tripudiava. “Mas eu não troco o olhar de vocês por debates de televisão”. No fim do comício, Lula afirma que vai provar que um torneiro mecânico é capaz de fazer política melhor do que a que vem sendo feita até agora. A multidão aplaudiu com entusiasmo e muita esperança.

Vitor de Brites

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