Número 2 - Ano I - Edição fechada em 21 de Novembro de 2002 Florianópolis-SC
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As críticas feitas à chamada distorção no caso do candidato eleito Enéas Carneiro foram exageradas. Para Yan de Souza Carreirão, cientista político da UFSC e autor do livro A decisão do voto nas eleições presidenciais brasileiras, o sistema proporcional – aplicado nas Câmaras e Assembléias – é o que permite uma maior representatividade democrática da sociedade, apesar de ser mais difícil para o eleitor entender como funciona. Carreirão lembra que a finalidade do sistema proporcional é garantir a representação de diversas correntes ideológicas, organizadas em partidos, e não a de indivíduos. “Há muitas críticas sobre o fato de que cinco deputados foram eleitos pelos votos de Enéas, mas todos sistemas proporcionais do mundo (exceto o de lista fechada) permitem isto”, diz. Para ele, a distorção maior ocorre em sistemas distritais puros, com eleições majoritárias, onde a maioria dos eleitores não é representada.

Em todas eleições proporcionais, são vários os exemplos que demonstram que a votação nominal não determina a eleição. Este ano não foi diferente, e o Caso do Enéas foi mais um deles. Enéas Ferreira Carneiro não apenas foi o deputado federal mais votado do país, como também garantiu a eleição de mais cinco integrantes do Partido de Reedificação da Ordem Nacional- Prona.

Vanderlei Assis é um dos cinco desconhecidos candidatos arrastado para a Câmara Federal pela histórica votação de Enéas. Foi eleito com menos de 1% dos votos de São Paulo, representando 275 eleitores. Já o candidato paulista a deputado federal, Jorge Tadeu (PMDB), recebeu 127.938 votos, e não teve direito a uma vaga ao lado de Vanderlei Assis.

Em Santa Catarina, o candidato a deputado estadual mais votado, Ismael (PSB), com 59.566 votos, não foi eleito, ao contrário de Sérgio Godinho (PTB), que com 19.175 votos, conseguiu elegeu-se para a Assembléia.

O que ocorre é que no sistema proporcional, a votação nominal não é
decisiva. Por isso, a conquista de uma vaga por um candidato depende da votação obtida por todo o partido.

Cálculos - As contas matemáticas que explicam a aparente contradição em Santa Catarina e em São Paulo fazem parte do sistema de votação proporcional, aplicado para a eleição de deputados federais, estaduais e vereadores. O restante dos cargos – presidente, senador, governador e prefeito - possuem votação majoritária, onde são eleitos os mais votados.

Para se definir quem é eleito pelo sistema proporcional, é preciso realizar uma seqüência de três cálculos separadamente para cada cargo: o quociente eleitoral, quociente partidário e a média. As vagas são distribuídas entre os partidos, e não entre os candidatos.

O quociente eleitoral é simples, define quantos votos são representados por uma vaga em cada eleição. Para isso, divide-se o número total de votos válidos para certo cargo, pelo número de vagas. Santa Catarina teve 3.101.844 votos válidos para deputado estadual, e a Assembléia legislativa dispõe de 40 vagas. Dividindo-se os dois, chega-se ao resultado de 77.546 (não se consideram os números não-inteiros). Isso quer dizer que um deputado estadual catarinense representa 77.546 votos. As legendas - partidos ou coligações - que não alcançaram este quociente, não concorrem a nenhuma vaga. Este foi o caso do candidato Ismael dos Santos. Apesar de ser o mais votado com 59.566 votos, sua coligação, “Fé no Brasil” (PSB, PSD), teve no total 61.068 votos, e não alcançou o quociente eleitoral.

O segundo cálculo define quantas vagas cada legenda tem direito: o quociente partidário. Divide-se o número total de votos válidos da legenda (votos na legenda mais os votos nominais), pelo quociente eleitoral. O Prona, por exemplo, teve 1.634.848 votos válidos (1.573.112 apenas de Enéas), e o quociente eleitoral para deputado federal de São Paulo foi 280.165. O resultado da divisão entre os dois é 5,83. Por isso se afirma que Enéas arrastou os outros candidatos. Foi por causa da sua estrondosa votação nominal, que o quociente partidário do Prona garantiu pelo menos 05 vagas ao partido.

Como o resultado do quociente partidário geralmente não é exato e não se consideram as frações em nenhum dos cálculos anteriores, os votos que sobraram são distribuídos entre as legendas que alcançaram o quociente eleitoral. Chamado de média, a fórmula deste cálculo é o número de votos válidos da legenda, dividido pela soma: quociente partidário mais um e mais as vagas pela média. Realiza-se a conta para todas as legendas. A que obtiver o maior resultado, recebe a primeira vaga “restante”. Repete-se a operação até todas vagas restantes serem preenchidas. Em Santa Catarina, cinco candidatos a deputado estadual foram eleitos por este cálculo – dois do PPB, um do PT, PFL e PSDB.

Depois de definidas quantas vagas a legenda tem direito, são eleitos os candidatos mais votados nominalmente. A ordem que define quem assume as vagas dentro do partido, é chamada de lista. O sistema proporcional dispõe basicamente de três tipos: aberta, fechada e flexível.

Assim como o Peru. Chile, Polônia e Finlândia, o Brasil adota a lista aberta, onde a ordem dos candidatos eleitos se define pelos mais votados do partido ou coligação. Esta lista, associada à possibilidade de coligação, permite a migração de votos dentro da legenda. “Nestas eleições, o eleitor poderia votar em um candidato trotskista do PT e acabar ajudando a eleger um pastor do PL”, exemplifica o professor Yan Carreirão. É que os votos de todos os candidatos contam para as vagas da coligação, mas elas serão ocupadas pelos mais votados. Outra crítica refere-se à individualização do cargo pelo voto nominal. “Ela acirra a disputa entre os candidatos de um mesmo partido, reforça o personalismo e enfraquece a estrutura do partido, já que alguns candidatos entendem que o cargo é seu”, explica o professor.

Treze países, entre eles a Argentina, Portugal e África do Sul, adotam a lista fechada. A ordem de distribuição das vagas é definida pelo partido antes mesmo das eleições. O eleitor não dispõe de voto nominal, escolhe apenas uma das listas.

Defensor do sistema proporcional, Carreirão, aponta a lista flexível, adotada na Bélgica, como a ideal. Neste tipo de lista o partido define a ordem, mas se um candidato tiver votação maior que o quociente partidário, passa a ser o primeiro da lista. O cientista político entende que o eleitor tem um certo poder sobre a escolha do candidato, e o partido é fortalecido da mesma forma. “No sistema de lista fechada, o poder do eleitor é muito restrito, com pouca margem de escolha. Ele não interfere na escolha do candidato, apenas no número de vagas da legenda”.

Vagas para cada estado - Antes de calcular a distribuição das cadeiras da Câmara entre os partidos nos estados, através dos cálculos proporcionais, o TSE define quantas vagas cada estado tem direito na Câmara Federal. Santa Catarina possui 16 vagas, Rio Grande do Sul, 31; São Paulo 70 e Roraima oito.

Considerando estes números, parece claro que as 513 cadeiras da Câmara Federal estão distribuídas de acordo com a população de cada estado. No entanto, é este ponto que apresenta a maior distorção do sistema proporcional no Brasil. Por esta distribuição, um voto para deputado de um eleitor de Roraima tem o mesmo valor de 14 votos dos eleitores de São Paulo. Um deputado federal eleito por São Paulo representa 366.507 eleitores, enquanto um deputado federal eleito por Roraima corresponde 26.065 eleitores.

Os deputados federais, de acordo com a Constituição, representam a população do país, enquanto os senadores representam os estados. A igualdade de poder entre os estados está assegurada no Congresso pelos Senadores, mas a igualdade de poder entre os votos dos eleitores do país não está assegurada pelos deputados. Considerando que os deputados representam a população, a distribuição de vagas na Câmara entre os estados deveria ser feita de acordo com a população de cada um. Mas não é o que acontece.

A principal causa desta distorção está no limite imposto pela própria Constituição, que define o mínimo de oito e o máximo de 70 deputados federais para cada estado. Se São Paulo tem 22,2% do eleitorado do país, teria direito, proporcionalmente, à mesma porcentagem de vagas na Câmara. Ocorre que 22,2% de 513 (total de vagas na Câmara) é 116. No entanto, São Paulo possui apenas 70 representantes, por causa do limite máximo imposto pela Constituição. Alem disso. Uma lei complementar de 1994 garante irredutibilidade de vagas entre os estados.

A diferença do valor do voto entre os eleitores de cada estado se estende para as Assembléias Legislativas. O número de vagas para deputado estadual depende do número de deputados que o estado possui na Câmara Federal.

Cálculos - A conta que define estas vagas está na Constituição de 1988. Os estados que possuem entre oito e 12 representantes na Câmara de deputados, terão um número de deputados estaduais que corresponde ao triplo dos deputados federais. Roraima tem oito deputados federais e 24 (resultado de 8 x 3) deputados estaduais. Já os estados que possuem mais que 12 representantes na Câmara terão direito ao triplo de 12 (36), mais a diferença entre 12 e o número de deputados federais. Santa Catarina, que possui mais de 12 deputados, encaixa-se no segundo caso. A conta foi feita somando o triplo de 12 (36) mais quatro, que é diferença entre 12 e 16 (número de deputados federais). Como 36 mais quatro é 40, este é o número de deputados estaduais no estado.

Reforma - A reforma eleitoral no Brasil é vista por muitos cientistas políticos como necessária para a consolidação da democracia no país, essencial para garantir uma maior governabilidade e agilidade no governo. No entanto, está parada no Congresso. Na primeira sessão plenária depois do primeiro turno eleitoral, o presidente do senado, Raul Tebet (PMDB-MS), criticou as eleições proporcionais. Tebet definiu a proporcionalidade existente como “aberração” e manifestou-se favorável ao sistema distrital misto. Tebet chegou a defender a discussão da reforma política como prioridade, ao lado da votação do projeto do Orçamento Geral da União. Carreirão afirma que o importante é fazer uma discussão mais séria acerca dos atuais problemas e possíveis soluções, ao invés de crucificar precipitadamente o sistema proporcional.

A representação desigual dos eleitores de cada estado, a inexistência de grandes partidos, a compreensão do sistema para o eleitor, o voto obrigatório e a mudança de partido por parte do candidato eleito, se incluem entre os pontos mais polêmicos da discussão sobre o atual sistema político e partidário.

Carreirão aponta duas medidas principais para serem implantadas logo que a reforma política seja iniciada. A primeira seria a redistribuição de vagas para a Câmara entre os estados. Esta distribuição não faz parte do sistema proporcional. Foi implantada no governo de Ernesto Geisel, e, segundo Yan Carreirão, é a causa da maior distorção sobre o valor do voto de cada eleitor no Brasil. A segunda medida urgente seria a restrição de mudança interpartidária depois que o candidato seja eleito. A vaga deveria ser prioritariamente do partido e não do indivíduo, que foi eleito com os votos totais do partido.

Sistema distrital misto - Citado logo após as eleições deste ano por vários cientistas políticos e defendido pelo presidente do senado Raúl Tebet, este sistema está servindo de modelo para a maioria das propostas de reformas eleitorais no Brasil. Implantado na Alemanha, é chamado de misto porque combina o sistema majoritário com o proporcional, onde metade dos deputados é eleita pela primeira forma e metade pela segunda.

O eleitor alemão dispõe de dois votos: um para definir o candidato de seu distrito, pela forma majoritária simples (é eleito o mais votado), e outro que é destinado a uma das listas de cada partido, de âmbito estadual. A lista é uma relação dos candidatos na ordem em que devem assumir as vagas conquistadas pela legenda. Esta última é a forma proporcional com lista fechada.

Depois das eleições, são os votos das listas que definem o número de vagas da legenda, mas as primeiras vagas a serem preenchidas são as dos eleitos nos distritos de forma majoritária simples. Se sobrarem vagas, entram os primeiros candidatos da lista, que foi definida antes das eleições. Se um partido tiver elegido mais candidatos nos distritos do que as vagas de sua legenda, receberá mandatos excedentes.

Cada distrito tem um número médio de eleitores, e o número de habitantes não deve variar mais que 25%. Quando isto acontece, a Comissão Permanente de Distritos Eleitorais redefinirá os limites de cada um.
As principais críticas a este sistema referem-se à eleição majoritária nos distritos. Yan Carreirão, cientista político da UFSC, cita basicamente dois problemas, no caso de um sistema “distrital puro”, que utiliza apenas o voto majoritário. O primeiro é a possibilidade de distorção na representação: como é eleito o mais votado, sem possibilidade de segundo turno, um candidato que recebeu 20% dos votos pode ser eleito, e os outros 80% dos votos que foram distribuídos entre outros candidatos com menor votação não serão representados.

O segundo problema é que a Câmara poderia se ater a discussões acerca de regionalismos. Como o deputado foi eleito por uma região, e não através de um partido com ideais e prioridades definidas, a preocupação em trazer recursos para cada região se sobrepõe às questões nacionais. Além disso, os representantes de categorias como as dos empresários, professores, negros, bancários e sindicalistas teriam muita dificuldade de se eleger, e passaria a existir um representante de determinada região. As discussões ideológicas seriam enfraquecidas. “No voto proporcional, as minorias têm representação; além de se abrir mais possibilidade a uma representação ideológica através dos partidos, com estatutos nacionais, e não apenas uma representação de base geográfica”, explica o professor, acrescentando: “Embora estes problemas refiram-se a um sistema distrital puro, eles persistem parcialmente no sistema distrital misto”.

Eleições brasileiras -
O sistema eleitoral do Brasil é considerado único, comparado apenas ao da Finlândia, Peru, Polônia e Chile, por usar a lista aberta nas eleições proporcionais. É formado pelo sistema majoritário simples, sistema majoritário em dois turnos e sistema proporcional, dependendo do cargo. Em um mesmo poder coexistem mais de um sistema para a eleição dos cargos: O Legislativo possui o sistema proporcional (para escolha dos deputados) e o majoritário simples (para a escolha dos Senadores); no Executivo, adota-se o sistema majoritário em dois turnos (Presidente da República, Governadores e Prefeitos) e o majoritário simples (para prefeitos de municípios com menos de duzentos mil eleitores).

As eleições majoritárias em dois turnos ocorrem caso nenhum dos candidatos alcancem maioria absoluta no primeiro. Já as eleições majoritárias simples não exigem a maioridade absoluta dos votos, são eleitos os mais votados, por isso, não pressupõem segundo turno.
Fonte: TSE / Arte: Gisele Pungan

Leda Malysz

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