Número 3 - Ano I - Edição fechada em 13 de Dezembro de 2002 Florianópolis-SC
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Oftamologista Andrade tem projeto e plano para diminuir casos de cegueira da população carente / Foto: Wagner Maia - ZeroPessoas com problemas de visão que não podem ser corrigidos por óculos ou lentes de contato são quase a metade de todos os brasileiros com algum tipo de deficiência física – um contingente de 14,5 por cento da população. Esse número, apontado pelo IBGE no Censo 2000, surpreendeu a Coordenação Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (Corde), órgão do Ministério da Justiça que antes estimava que os deficientes não fossem mais do que dez por cento da população do país.

Entre as cinco categorias de deficiência pesquisadas, 48,1% ou 16 milhões de pessoas, correspondem a problemas de visão. Em seguida, vêm os casos de deficiência motora, com 22, 9%; auditiva, 16,7%; mental 8,3%; e física, 4,1%. Ao todo, são 24,5 milhões de brasileiros com um ou mais tipos de deficiência, considerando-se somente os casos em que as dificuldades continuam mesmo com o uso de próteses ou aparelhos corretivos. Entre os deficientes motores e visuais, a maioria é de mulheres.

Esse foi o primeiro levantamento detalhado feito sobre a questão. As perguntas sobre deficiência foram introduzidas no questionário do censo, no entanto, desde 1991, por força da Lei 7.853, de 1989.

Durante o século XX, houve grandes avanços na oftalmologia, tanto nas reparações cirúrgicas quanto na tecnologia das lentes. É muito provável que, se vivesse hoje, Machado de Assis, que sofria de miopia irreparável em seu tempo, tivesse descrito mais paisagens em sua obra – ela não as via – e, na velhice, não se referisse a seus “olhos mal-feridos”, como fez no soneto À Carolina.

A visão é apontada como responsável por 80% do contato do homem com o mundo exterior. A luz entra pelo olho, passando pela córnea, humor aquoso, pupila, cristalino, humor vítreo e retina, onde é transformada em estímulo elétrico que, por sua vez, é enviado através do nervo óptico até o córtex occipital (região posterior da cabeça). Para que a visão seja perfeita, todas as camadas por onde a luz passa devem ser transparentes, o sistema de condução deve estar completo e ileso e o cérebro ser capaz de interpretar a mensagem, que a retina recebe de maneira fragmentada.

O olho humano sofre muitas modificações até os 20 anos de idade; crianças só têm capacidade visual equivalente à de um adulto a partir dos cinco anos. Entre 20 e 40 anos, a visão permanece estável; a partir daí, ocorre perda gradativa.

Cegueira - Entre as principais doenças causadoras de cegueira estão a catarata, a retinopatia diabética e dos prematuros, o glaucoma, a toxoplasmose, o tracoma, as uveítes (inflamações internas), e a degeneração macular relacionada à idade. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, mais de dois terços desses problemas – cerca de 70% poderiam ser evitados com os recursos da medicina preventiva. Os outros 30% dos casos de cegueira ocorrem por problemas genéticos ou acidentes.

A catarata, problema de maior incidência na população deficiente, pode ter conotação genética (catarata congênita) ou acontecer após trauma e ingestão inadequada de medicamentos, como, por exemplo, corticóides. Geralmente acontece em pessoas com mais de 50 anos e só é visível a olho nu em estado muito avançado percebendo-se, então, a pupila esbranquiçada. Ao contrário da confusão feita por muitos, que acreditam que a catarata é uma “pele” que cresce na frente da menina do olho (problema chamado pterígio), o que realmente acontece é que o cristalino, uma lente orgânica situada atrás da pupila, passa de transparente a opaco e impede a passagem de luz. A sensação provocada é a de estar olhando através de um vidro cada vez mais embaçado. O tratamento da catarata é a cirurgia, indicada quando a diminuição da visão afeta as tarefas do cotidiano.

Para evitar que recém-nascidos com problemas visuais fiquem cegos, existem vários cuidados e tratamentos possíveis. No caso da catarata congênita, isto é, adquirida durante a gestação, a visão não irá se desenvolver se a criança não for submetida à cirurgia o mais rápido possível; o cérebro não terá condições de interpretar os sinais que chegarem à retina. Já a retinopatia dos prematuros, doença que ocorre com bebês quando são expostos a alta concentração de oxigênio na incubadora, é irreversível: a lesão não tem cura.

O controle dos diabetes pode evitar, por sua vez, a retinopatia diabética, que lesa o fundo do olho e pode levar à cegueira em até cinco anos. O risco de desenvolver catarata também é maior em quem tem diabetes – doença de 7,8 por cento da população brasileira.

Uma doença que progride inicialmente sem sintomas é o glaucoma, que não é contagioso, mas pode ser hereditário. Prejudica o nervo óptico e o campo visual e é a terceira principal causa de cegueira no país. Para detectar o glaucoma, no entanto, basta submeter-se pelo menos uma vez por ano a um exame de pressão ocular e do fundo do olho. Em alguns casos, a doença pode provocar dor intensa, enjôo, vômitos, perda gradual da visão e vermelhidão nos olhos. É um quadro muito grave porque pode levar a cegueira súbita.

Com o aumento da expectativa de vida no país, aumentou também a incidência dos casos de cegueira por degeneração macular relacionada à idade, que os oftalmologistas denominam pelas iniciais, DMRI. O problema aparece normalmente após os 60 anos e afeta a área central da retina, a mácula. Os danos ocorrem principalmente pela falta de proteção dos olhos durante a exposição ao sol. Por isso, recomenda-se o uso de óculos escuros com proteção para raios ultravioletas. O tratamento é feito com vitaminas e a ajuda de objetos para leitura, como as lupas ou lentes de aumento, por exemplo.

As fezes de gato, cachorro e aves podem estar contaminadas com o protozoário que provoca a toxoplasmose e transmitir a doença, causando uma uveíte, que pode levar à cegueira. Apesar de ser tratável, ela pode tornar-se irreversível para o filho de uma gestante que contrair a toxoplasmose durante a gravidez.

A estatística mostra que a maioria dos acidentes domésticos que afetam os olhos acontece com crianças entre cinco e 14 anos, três quartos delas meninos. Brincadeiras perto de panelas no fogão, com produtos de limpeza, fogos de artifício, tesouras e facas são os responsáveis mais comuns por esses acidentes. Desastres envolvendo crianças que viajam no banco da frente do automóvel ou passageiros em geral sem cinto de segurança podem provocar traumatismos graves na cabeça, atingindo os olhos ou o nevo óptico.

Causas do problema - Ainda na avaliação do Censo 2000, o IBGE constatou que a região sudeste do país é a que tem o maior índice de deficientes, um total de 38,1% dos 24,5 milhões de portadores de deficiência do Brasil. Em seguida, fica a região nordeste com 32,5%, sul com 14,5%, norte com 8,5% e centro-oeste com um índice de 6,6%.

O equivalente à região sul, segundo o instituto, soma aproximadamente 2,9 milhões de pessoas cegas ou com baixa visão. Isso indica que Santa Catarina, que possui 5,5 milhões de habitantes, pode ter mais de 300 mil pessoas com algum tipo de deficiência visual.

Dados do IBGE mostram também que 128 milhões de brasileiros dependem do SUS, enquanto 42 milhões possuem acesso à medicina suplementar. Segundo a Strategy Consultoria e Assessoria, no grupo da medicina suplementar, um número de 37,1% pertence aos da medicina de grupo, 22,6% as Unimeds e o restante fica dividido entre seguros saúde, gestões públicas e privadas.

Se relacionarmos o número de pessoas cegas ou com baixa visão, o número de pessoas que dependem do SUS para as consultas médicas e o total do índice das doenças visuais que podem ser evitadas, é possível perceber que as pessoas que necessitam de atendimento oftalmológico no Brasil e não têm, constituem o grupo chamado demanda reprimida, algo em torno de 75% da população, sujeita a desenvolver algum tipo de deficiência visual.

Fila de espera - Em Santa Catarina quem precisa de atendimento oftalmológico e depende do SUS tem que esperar muito. Os postos de saúde não sabem informar o tempo exato, mas as previsões variam de um mês a dois anos. Há um grande número de pessoas que procuram atendimento, mas nem todos conseguem uma consulta.

Quem quiser marcar uma consulta com o oftalmologista no Hospital Universitário (HU, por exemplo), deve procurar o posto de saúde mais próximo e agendar o atendimento. As consultas são marcadas primeiro com um clínico geral que avalia o problema e decide sobre a necessidade ou não do atendimento com o especialista. Depois da primeira consulta o paciente pode marcar o retorno no próprio hospital. O HU dispõe de cinco oftalmologistas para o atendimento à comunidade, mas não tem nenhum médico residente nessa área. Para a marcação, os postos estão interligados através de computadores com a Central de Marcação de Consultas, Exames e Serviços, que encaminham os pacientes para os médicos disponíveis.

Por causa da dificuldade para conseguir uma consulta, várias pessoas desistem e muitas nem sequer avisam o posto. Assim, o nome permanece no cadastro, aumentando a fila de espera. Conforme com a Secretaria de Estado da Saúde, foram agendadas no ano passado 104 mil consultas com médicos especialistas na região da Grande Florianópolis. Dessas, aproximadamente oito mil pessoas faltaram.

No interior do estado, pessoas que dependem do SUS e têm baixa renda são vítimas do descaso, muitas vezes não têm dinheiro para se deslocar até o local de consulta, nem para pagar um tratamento. Por esse motivo e pela falta de informação, além do descaso, acabam sendo vítimas também, de oportunistas que viajam por essas regiões oferecendo consultas de graça, e vendem lentes e armações baratas, mas de qualidade discutível. Essa prática ilegal da medicina compromete a saúde ocular da vítima e também a credibilidade dos profissionais da área da oftalmologia.

O governo realiza algumas campanhas nacionais como: Olho no Olho, Catarata, Glaucoma e Retinopatia diabética para combater a cegueira. Contudo, ainda não existem avaliações sobre a abrangência e resultado de cada uma. A campanha Olho no Olho, por exemplo, atinge crianças do ensino fundamental que estão no primeiro ano de escolas públicas e estaduais, porém ela só acontece em municípios com mais de 40 mil habitantes. Em Santa Catarina, somente 27 cidades estão incluídas na campanha. Os programas do governo têm caráter emergencial e admite-se que possam ter resultados animadores, mas campanhas de emergência não têm garantia de continuidade. Amenizam o problema, mas não o solucionam.

Projetos de prevenção
- Para atender a população mais carente e que não tem acesso ao atendimento oftalmológico, um médico catarinense desenvolveu um projeto de prevenção à cegueira em Santa Catarina. Com o trabalho, o Dr. Walter Marra de Andrade, que também é diretor de Assuntos Profissionais da Sociedade Catarinense de Oftalmologia, foi finalista do Concurso Unimed de Responsabilidade Social, no ano passado. Apesar de premiado, o trabalho proposto para ser realizado com parcerias do Ministério da Saúde, secretarias estaduais e municipais, e mpresas, sociedades e voluntários, ainda não foi colocado em prática por falta de apoio financeiro.

Em relação aos problemas genéticos, o Hospital Universitário através do Núcleo de Genética Clínica desenvolve um trabalho de aconselhamento, onde casais são orientados quanto à possibilidade de seus futuros filhos desenvolverem algum tipo de deficiência.

Rúbia Muttini
Finalista do 1o Prêmio de Jornalismo Unimed SC

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