Número 3 - Ano I - Edição fechada em 13 de Dezembro de 2002 Florianópolis-SC
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Cidade de Deus foi o grande sucesso cinematográfico brasileiro deste ano. Indicado do país para disputar o Oscar, o filme conta a história da favela, surgida na década de 60 na zona oeste do Rio de Janeiro e acompanhada o crescimento do crime na cidade. Dirigido por Fernando Meirelles, (o mesmo de Domésticas, 2001), e Kátia Lund, o filme é baseado no livro homônimo de Paulo Lins e reatrata a guerra civil do tráfico de drogas nos morros cariocas. As filmagens foram realizadas em nove semanas entre os meses de junho e agosto de 2001. A produção teve um custo de US$ 3,3 milhões, 85% financiados pela produtora O2 Filmes, de Meireles. O restante veio através da Lei do Audiovisual.

O filme, que já foi assistido por mais de dois milhões e cem mil espectadores, e vendido para mais de 60 países, e leva ao público de classe média uma realidade pouco conhecida – e até escondida – que causa perplexidade e surpresa. MeirellNos anos 60 os primeiros criminosos do subúrbio eram considerados malandros ou bandidos românticoses foi feliz na escolha de atores dos grupos Nós do Morro e Nós do Cinema, moradores de comunidades carentes do Rio, cuja interpretação resultou numa importante aproximação com o mundo real. Atores como Leandro Firmino da Hora “Zé Pequeno”, Alexandre Rodrigues “Busca-pé”, Darlan Cunha “Filé com Fritas”, Douglas Silva “Dadinho”, Jonathan Haagensen “Cabeleira” e Phelipe Haagensen “Bené”. É preciso ressaltar também a ótima atuação do músico Seu Jorge “Mané Galinha” e do ator Matheus Naschtergaele “Sandro Cenoura”.

A história toda é contada por um morador da Cidade de Deus, o garoto Busca-pé. A primeira parte do filme se passa nos anos 60, quando o tráfico ainda não condicionava a vida da comunidade e o assalto era o grande filão da bandidagem. Nesse período viveram Cabeleira, Alicate e Marreco, o famoso “Trio Ternura”, retratado por Meirelles com bastante romantismo e um amadorismo quase ingênuo. Com a morte de Cabeleira, na cena mais emocionante do filme, termina a fase inicial, e começa a ascensão de Dadinho, que se torna Zé Pequeno, o grande vilão da história.

Com seu amigo de infância e sócio Bené, o bandido “sangue bom”, Zé PequenoAtravés da fotografia o personagem Busca-Pé encontrou um caminho para fugir da marginalidade da Cidade de Deus se torna o traficante mais procurado do Rio, e o dono da lei na Cidade de Deus. Nessa fase do filme, é apresentado todo o funcionamento do tráfico de drogas na favela. Desde a grande influência sobre a comunidade, o sistema de produção, e a hierarquia, até os subornos da polícia, que recebe sua parte e não se intromete nos “negócios”. É nessa época também que Busca-pé decide cair na vida do crime, proporcionando para o público uma das seqüências mais divertidas do filme.

O reinado de “Zé Pequeno” acaba quando “Sandro Cenoura” – dono da outra boca da Cidade de Deus e seu principal rival – se junta com “Mané Galinha”, um antigo desafeto. A guerra pelo poder na favela instaura o terror na vida dos moradores, que são obrigados a conviver regularmente com tiroteios e assassinatos, numa constante guerra civil. O filme se torna agradável por não ser moralista. Meirelles não procura em nenhum momento justificar o fracasso social por meio de lições de moral, mas sim retratar cada personagem conforme sua própria personalidade. A maldade de “Zé Pequeno” e a bondade de “Busca-pé” não são explicadas, mas simplesmente mostradas para que o espectador tire sua própria opinião dos fatos.

Com uma excelente trilha sonora, Cidade de Deus segue as tendências do cinema contemporâneo, com a importação da linguagem livre do video-clipe e da publicidade, consagrada pela geração dos anos 90. Por isso, Fernando Meirelles recebeu críticas muito duras de profissionais da mídia, que vêem no filme como uma cópia do estilo de Quentin Tarantino. Para o diretor, é apenas um recurso usado para desenvolver melhor o argumento. A verdade é que o espectador, principalmente se for brasileiro, fica preso ao filme durante os 130 minutos de projeção, e sai da sala de cinema mais informado sobre a dura realidade do país. Uma realidade em que a infância parece não existir, e a facilidade de ganhar a vida com o crime se sobrepõe a imensa dificuldade de levar uma vida de trabalhador, “honesta”, sem oportunidades nem perspectivas futuras. Como diz o filme, levando uma vida de “otário”. Invejo quem ainda não assistiu e poderá sentir tudo o que é Cidade de Deus.



Brasil
, 2002, 90 minutos
Direção: Fernando Meirelles
e Kátia Lund
Direção de Fotografia:
César Charlone
Direção de Arte: Tulé Peake
Roteiro: Bráulio Montovani
Música Original: Antônio Pinto
e Ed Cortês

Luiz Fakri

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