Cidade
de Deus foi o grande sucesso cinematográfico
brasileiro deste ano. Indicado do país para disputar
o Oscar, o filme conta a história da favela, surgida
na década de 60 na zona oeste do Rio de Janeiro
e acompanhada o crescimento do crime na cidade. Dirigido
por Fernando Meirelles, (o mesmo de Domésticas,
2001), e Kátia Lund, o filme é baseado no
livro homônimo de Paulo Lins e reatrata a guerra
civil do tráfico de drogas nos morros cariocas.
As filmagens foram realizadas em nove semanas entre os
meses de junho e agosto de 2001. A produção
teve um custo de US$ 3,3 milhões, 85% financiados
pela produtora O2 Filmes, de Meireles. O restante veio
através da Lei do Audiovisual.
O filme, que já foi assistido por mais de dois
milhões e cem mil espectadores, e vendido para
mais de 60 países, e leva ao público de
classe média uma realidade pouco conhecida –
e até escondida – que causa perplexidade
e surpresa. Meirelles
foi feliz na escolha de atores dos grupos Nós do
Morro e Nós do Cinema, moradores de comunidades
carentes do Rio, cuja interpretação resultou
numa importante aproximação com o mundo
real. Atores como Leandro Firmino da Hora “Zé
Pequeno”, Alexandre Rodrigues “Busca-pé”,
Darlan Cunha “Filé com Fritas”, Douglas
Silva “Dadinho”, Jonathan Haagensen “Cabeleira”
e Phelipe Haagensen “Bené”. É
preciso ressaltar também a ótima atuação
do músico Seu Jorge “Mané Galinha”
e do ator Matheus Naschtergaele “Sandro Cenoura”.
A história toda é contada por um morador
da Cidade de Deus, o garoto Busca-pé. A primeira
parte do filme se passa nos anos 60, quando o tráfico
ainda não condicionava a vida da comunidade e o
assalto era o grande filão da bandidagem. Nesse
período viveram Cabeleira, Alicate e Marreco, o
famoso “Trio Ternura”, retratado por Meirelles
com bastante romantismo e um amadorismo quase ingênuo.
Com a morte de Cabeleira, na cena mais emocionante do
filme, termina a fase inicial, e começa a ascensão
de Dadinho, que se torna Zé Pequeno, o grande vilão
da história.
Com seu amigo de infância e sócio Bené,
o bandido “sangue bom”, Zé Pequeno
se torna o traficante mais procurado do Rio, e o dono
da lei na Cidade de Deus. Nessa fase do filme, é
apresentado todo o funcionamento do tráfico de
drogas na favela. Desde a grande influência sobre
a comunidade, o sistema de produção, e a
hierarquia, até os subornos da polícia,
que recebe sua parte e não se intromete nos “negócios”.
É nessa época também que Busca-pé
decide cair na vida do crime, proporcionando para o público
uma das seqüências mais divertidas do filme.
O reinado de “Zé Pequeno” acaba quando
“Sandro Cenoura” – dono da outra boca
da Cidade de Deus e seu principal rival – se junta
com “Mané Galinha”, um antigo desafeto.
A guerra pelo poder na favela instaura o terror na vida
dos moradores, que são obrigados a conviver regularmente
com tiroteios e assassinatos, numa constante guerra civil.
O filme se torna agradável por não ser moralista.
Meirelles não procura em nenhum momento justificar
o fracasso social por meio de lições de
moral, mas sim retratar cada personagem conforme sua própria
personalidade. A maldade de “Zé Pequeno”
e a bondade de “Busca-pé” não
são explicadas, mas simplesmente mostradas para
que o espectador tire sua própria opinião
dos fatos.
Com uma excelente trilha sonora, Cidade de Deus
segue as tendências do cinema contemporâneo,
com a importação da linguagem livre do video-clipe
e da publicidade, consagrada pela geração
dos anos 90. Por isso, Fernando Meirelles recebeu críticas
muito duras de profissionais da mídia, que vêem
no filme como uma cópia do estilo de Quentin Tarantino.
Para o diretor, é apenas um recurso usado para
desenvolver melhor o argumento. A verdade é que
o espectador, principalmente se for brasileiro, fica preso
ao filme durante os 130 minutos de projeção,
e sai da sala de cinema mais informado sobre a dura realidade
do país. Uma realidade em que a infância
parece não existir, e a facilidade de ganhar a
vida com o crime se sobrepõe a imensa dificuldade
de levar uma vida de trabalhador, “honesta”,
sem oportunidades nem perspectivas futuras. Como diz o
filme, levando uma vida de “otário”.
Invejo quem ainda não assistiu e poderá
sentir tudo o que é Cidade de Deus.
Brasil, 2002, 90 minutos Direção: Fernando
Meirelles
e Kátia Lund Direção de
Fotografia:
César Charlone Direção de
Arte: Tulé Peake Roteiro:
Bráulio Montovani Música Original:
Antônio Pinto
e Ed Cortês