22 de Março de 2025 Número 1 - Ano I - Edição fechada em 29 de Julho de 2002 Florianópolis-SC
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Morte teleguiada detonou 500 quilos de dinamiteHá dez anos, o inimigo número um da máfia italiana, o magistrado Giovanni Falcone, foi morto em um automóvel atingido pela explosão de 500 quilos de dinamite. A carga havia sido colocada numa tubulação destinada ao escoamento de águas pluviais, sob a pista da estrada A/29 que liga Palermo e Trapani, na direção Punta Raisi – Palermo. Segundo a perícia, às 17h56 do dia 23 de maio de 1992, da colina de Capaci, ao lado da auto-estrada, o boss Giovanni Brusca detonou por telecomando a carga de dinamite. Brusca foi ajudado por seus comandados da mafiosa famiglia de San Giuseppe di Jato. De binóculo, assistiu à explosão, que acabou de completar uma década.

Eram três carros. O primeiro, com três policiais da escolta, projetou-se a 62 metros do local da explosão. Na pista, abriu-se um buraco com 3,5 metros de profundidade. Morreram todos os seus ocupantes. No segundo carro, estava Falcone, sua mulher Francesca Morvillo e o motorista, o único sobrevivente. A explosão jogou o carro do juiz, que voltava de Roma para sua casa em Palermo, para fora da estrada. Levado inconsciente, Falcone morreu no Hospital Cívico Benfratelli de Palermo. Os outros três agentes da escolta que estavam no terceiro automóvel, saíram feridos e se recuperaram.

Foram 15 feridos no ataque de técnica libanesa - explodir dinamite com controle remoto -, entre eles, três turistas austríacos, que se recuperaram. Além disso, restaram 50 metros de estrada danificados, fragmentos de asfalto e de alumínio espalhados num raio de 70 metros e sete automóveis atirados a grandes distâncias.

“A máfia golpeia, desafia e derrota o Estado”, disse o líder socialista Bettino Craxi ao saber da morte de Falcone. A máfia já havia tentado matar seu principal inimigo em junho de 1989, quando colocou 50 cartuchos do explosivo tritol escondidos a 20 metros da casa de férias de Falcone, perto da capital siciliana. Mas a polícia encontrou os explosivos antes que eles fossem acionados. No entanto, a declaração a Falcone estava feita: “Morrerá, sabe que morrerá”.

Inspirou operação Mãos LimpasO siciliano Falcone, nascido em Palermo em 1939, tinha 53 anos e ocupava desde 1991 o cargo de diretor de Assuntos Penais no Ministério da Justiça, em Roma. Antes disso, passou 11 anos combatendo a Máfia – sempre sob ameaças de morte – no “escritório-bunker” do Palácio da Justiça de Palermo. O juiz foi um dos principais responsáveis pela ofensiva judicial contra os mafiosos promovida no país, que teve seu ponto culminante no julgamento em massa de 1987 – quando 361 deles foram condenados a longas penas.

No dia seguinte ao atentado, a eleição para presidente da República foi suspensa. Um dia antes da votação, Giulio Andreotti, primeiro-ministro demissionário e presidente do conselho, se mostrou indignado. “Quando um homem como Falcone é vítima de tal ataque, você sente um ódio particular”, afirmou. O papa João Paulo II também lamentou a morte de Falcone.

Há duas teses opostas sobre o crime. A primeira considera o assassinato de Falcone um sinal de força da máfia, disposta a desafiar e a mostrar a fraqueza do Estado. A segunda afirma que os mafiosos enfraquecidos pelos sucessivos processos e temendo pelo seu fim, reagiram optando pelo terrorismo.

Falcone afirmava: “Para combater a máfia é preciso conhecê-la”. Mas o conhecimento que o Estado, até o momento da detenção de Tommaso Buscetta, tinha da organização era superficial. Segundo Falcone, foi graças ao interrogatório de Buscetta que conseguiram, finalmente, ter uma visão global da Máfia, de sua estrutura e técnica de recrutamento.

Falcone sabia que a máfia não pretendia poupá-lo. “Se o senhor não for embora de Palermo, não se salva”, alertou Tommaso Buscetta. “Depois deste interrogatório o senhor se tornará uma celebridade, mas estará marcado pelo resto da vida. Tentarão destruí-lo seja física ou profissionalmente. Não se esqueça: a Casa Nostra não desistirá”.

Um artigo no jornal Corriere della Sera constatou a facilidade com que o crime aconteceu, em pleno dia, enquanto o Parlamento não conseguia eleger o presidente da Itália. E concluiu “o terrorismo cresce proporcionalmente à impotência política dos partidos”.

À jornalista francesa Marcelle Padovani, que com ele escreveu o livro Cose di Cosa Nostra (Coisas da Cosa Nostra), observou: “Morre-se por estar sozinho. Porque entrou-se num grande jogo. Freqüentemente, morre-se por não dispor de necessárias alianças e porque se está privado de sustentação. Na Sicília, a Máfia mata os servidores do Estado, que o próprio Estado não consegue proteger”.

Falcone enfrentou e desvendou os segredos dessa potente e secular organização criminosa, que mantinha sob controle o poder político na Sicília. Desde criança, conhecia suas máximas, dentre elas: “Somos sempre os mais fortes. A máfia tem memória de elefante, não esquece os traidores e os seus inimigos”. Falcone conseguiu quebrar a omertà. Ou seja, pôs fim a cultura do silêncio. A omertà, ensinou Falcone, era a intimidação difundida pela organização criminosa.

Um grupo de juízes antimáfia foi criado por Rocco Chinicci. Esse magistrado também foi assassinado pela máfia quando estacionava o automóvel em frente à sua casa. Neste primeiro processo, que terminou em 16 de dezembro de 1987, foram acusadas 475 pessoas, 361 delas receberam condenações e 19 receberam a pena de prisão perpétua.

Durante o maxiprocesso contra a máfia, a televisão mostrou vários acusados em espécies de jaulas, colocadas na sala de audiências. Os defensores dos mafiosos procuraram desacreditar Buscetta, que iniciou sua colaboração em julho de 1984 e posteriormente declarou: “Não sou um arrependido. Fui um mafioso. Desejo revelar tudo que está guardado na minha consciência sobre esse câncer que é a máfia, a fim de que as novas gerações possam viver de modo mais digno e humano”. Com o fim do processo, chegou também a sentença de morte de Falcone, cumprida no dia 23 de maio de 1992.

Logo depois, no dia 19 de julho, ocorreu outro assassinato. Quando o juiz Paolo Borsellino apertou o botão do interfone, na portaria do prédio onde morava sua mãe, em Palermo, aconteceu uma violenta explosão. Junto com ele morreram seus cinco seguranças e, pela primeira vez, uma mulher, a policial Emanuela Loi. Borselino tinha trabalhado com Falcone e era considerado seu sucessor.

Em junho de 1993, aconteceram explosões em Roma, Firenze e Milão. Elas representavam a continuação da máfia contra o Estado, desencadeada pelo foragido Totó Riina, “o chefe dos chefes”. Ele estava inconformado com as condenações no maxiprocesso, incluída a sua como mandante do assassinato de Falcone.

No curso da luta, Falcone conseguiu mudanças legislativas. Uma delas foi a delação premiada a mafiosos arrependidos. Por ironia do destino, os matadores de Falcone arrependeram-se e ganharam liberdade, com exceção de Brusca.

Mariana Romani

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