Número 1 - Ano I - Edição fechada em 29 de Julho de 2002 Florianópolis-SC
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"Sou brega e não nego"O baladeiro punk brega Wander Wildner reassumiu o vocal do grupo gaúcho Os Replicantes, um dos precursores do punk no país depois de treze anos dedicados à carreira solo,. O sucessor do músico, Carlos Gerbase, não conseguiu conciliar a banda com as aulas de cinema e o trabalho na produtora de vídeo Vórtex. “Ele chegava de madrugada dos shows e acordava cedo para dar aula. Ficou muito cansativo. Além disso, os guris estavam com vontade de fazer mais shows”, explica o baladeiro. “Quando me chamaram eu pensei, ‘as músicas são legais, o que fizeram depois que saí também, as pessoas são maravilhosas, então vamos lá’.”

Apesar de a banda já ter recebido a proposta de uma gravadora, o grupo se dedicará somente aos shows por enquanto. “A gente quer pegar aquela coisa de banda que a estrada dá, para só depois fazer um disco”, explica o cantor. Eles se apresentaram em junho em Belo Horizonte, Goiânia, Rio de Janeiro e São Paulo. O repertório dos Replicantes é feito de muito punk rock marcado por letras irônicas e agressivas, que também estarão presentes no próximo álbum. Wander conta que o grupo tem muitas músicas não gravadas, inclusive do início de carreira e adiantou que o disco será divulgado durante uma turnê na Europa, entre abril e junho do próximo ano.

O novo álbum terá, além de Wander, os irmãos Heron (baixo) e Cláudio Heinz (guitarra), e o único músico que não é da formação original, mas que também não é nenhum novato na banda, o ex-integrante de Os Cobaias, Cléber Andrade. Quando Gerbase deixou a bateria para substituir Wander no vocal, quem assumiu foi a Biba do grupo De Falla, mas depois de dois ensaios, foi substituída por Cléber. “Ela achou que éramos muito loucos (musicalmente). E também ele combinava melhor com a nossa ignorância técnica”, explica Gerbase.

Ignorância técnica não é exagero. Quando começaram, ninguém sabia tocar um instrumento e não é à toa que, inspirados no filme Blade runner, escolheram Os Replicantes para nome da banda. “Achávamos legal sermos como andróides, não-humanos, programados para morrer logo. Éramos não-músicos, programados para acabar logo”, conta Gerbase. Mas não foi isso que aconteceu.

A história do grupo começou em novembro de 1983. “Porto Alegre não tinha muita coisa para fazer no verão. E todo mundo estava de saco cheio do que tocava nas rádios. A música brasileira era um horror, um pastiche. Todo aquele pessoal que veio do nordeste com músicas bacanas tinha sido engolido pela indústria fonográfica. Era a pior época da Bethânia, Gal, Caetano. Os produtores de discos só faziam coisas muito iguais”, lembra Wander. A alternativa era ouvir as canções de outros países, entre elas um rock tocado mais rápido, em que a atitude era mais importante do que a música, o punk rock dos Sex Pistols.

Três dos quatro futuros integrantes de Os Replicantes - Carlos Gerbase, Cláudio e Heron Heinz – ouviram dizer que o grupo inglês começou sem os integrantes saberem tocar direito e decidiram fazer a mesmo. Gerbase comprou uma bateria Pingüim, e a amiga e futura produtora, Luciana Tomazi, comprou “no crediário” baixo, guitarra, microfone e amplificador: os mais baratos que tinham na loja. Depois de um mês e meio, já tinham sete músicas, mas continuavam sem saber tocar.

Wander estava em turnê com a equipe de Alceu Valença, como iluminador dos shows do cantor. Quando chegou em Porto Alegre, pegou a guitarra de um amigo e levou para o ensaio do grupo, mas também não conseguiu tirar uma nota do instrumento. Enquanto os três integrantes estavam “de férias”, ouviu e cantou por um mês as músicas gravadas pela banda em uma fita cassete. “Nós achávamos que precisava de um cara igualmente ignorante em termos musicais para cantar na nossa banda ignorante”, conta Gerbase. Quando voltaram, Wander sabia as letras de cor e cantava interpretando os personagens das músicas. Então Gerbase passou o vocal ao Wander e ficou apenas como baterista.

Dois em um: retorno do Replicantes e de seu vocalista líder em roupagem terceiro milênio / Foto: ZeroA idéia inicial era ensaiarem numa garagem apenas por diversão, mas os amigos começaram a assistir e a garagem ficou pequena demais. O primeiro show foi durante um aniversário, no quintal dos fundos de uma casa. Apesar do público reduzido, cerca de 30 pessoas, Wander cantou de óculos escuros e olhos fechados. “Estava com pavor de tocar para mais gente do que tinha no ensaio.” Mas o futuro baladeiro foi perdendo o medo e não demorou muito para a banda fazer a primeira apresentação profissional, em março de 1984, no Bar Ocidente. O público recebeu o grupo com ovos e tomates.

Depois de várias apresentações, Os Replicantes gravaram um compacto pelo selo independente do grupo, o Vórtex e, em 1985, participaram com outras bandas do disco Rock Garagem 1. O compacto foi pra São Paulo, onde começou a tocar em algumas rádios. Eles decidiram fazer um disco independente e reservaram um estúdio, mas uma semana antes da gravação, a RCA convidou a banda para participar da coletânea Rock Grande do Sul - com De Falla, Engenheiros, TNT e Garotos da Rua. O grupo gravou com a condição de que fizessem também um LP só da banda, e assim foi lançado o primeiro álbum, O futuro é vórtex.

O disco começou a fazer sucesso e Os Replicantes foram convidados para se apresentarem no programa do Chacrinha, mas não aceitaram. “A gente ia se sentir meio ridículo fazendo playback. Não tem nada a ver. Nunca abrimos mão de tocar ao vivo, só em clipes, porque é uma coisa totalmente diferente”. Lançaram em 1987 Histórias de sexo e violência, do qual também participa a ex-produtora da banda, tocando teclado. Em 1989, gravaram Papel de mau, o último disco com Wander Wildner.

Na época do terceiro álbum, abriram o Vórtex, um bar com monitores, que transmitiam imagens de um estúdio interligado. “A gente conviveu um ano diariamente junto como nunca tinha convivido. Ficou demais, já discutia. Comecei a compor, tocar baixo, guitarra e não queria mais cantar”, explica Wander. Das doze músicas de Papel de mau, ele canta quatro e Gerbase, o restante. Wander também queria fazer mais shows, mas isso não era possível porque, com exceção dele, todos os integrantes tinham outras profissões. Nessa época, a inflação no Brasil chegou a 80% em um ano, e tiveram que vender tudo que tinham no bar para pagar as reformas do local. “Aquilo tudo cansou e acabei saindo”.

Com o retorno ao vocal do grupo, Wander vai dar prioridade aos Replicantes, mas a carreira solo não acabou. Tem um disco pronto, o Pára-quedas do coração. Para o lançamento do novo trabalho, só falta acertar a distribuição com uma gravadora. “Estou voltando agora, mas sem nenhum saudosismo, nunca tinha pensado em voltar. Talvez isso vire a profissão dos outros como virou a minha, mas em primeiro lugar vem o prazer, tocar pelo prazer de tocar. Uma das coisas que eu queria fazer quando saí era viver só de música, viajar mais, só que não podia. Agora acho que a gente vai seguir de onde saí”.


Valéria Noleto

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