O
baladeiro punk brega Wander Wildner reassumiu o vocal do grupo
gaúcho Os Replicantes, um dos precursores do punk no
país depois de treze anos dedicados à carreira
solo,. O sucessor do músico, Carlos Gerbase, não
conseguiu conciliar a banda com as aulas de cinema e o trabalho
na produtora de vídeo Vórtex. “Ele chegava
de madrugada dos shows e acordava cedo para dar aula. Ficou
muito cansativo. Além disso, os guris estavam com vontade
de fazer mais shows”, explica o baladeiro. “Quando
me chamaram eu pensei, ‘as músicas são
legais, o que fizeram depois que saí também,
as pessoas são maravilhosas, então vamos lá’.”
Apesar de a banda já ter recebido a proposta de uma
gravadora, o grupo se dedicará somente aos shows por
enquanto. “A gente quer pegar aquela coisa de banda
que a estrada dá, para só depois fazer um disco”,
explica o cantor. Eles se apresentaram em junho em Belo Horizonte,
Goiânia, Rio de Janeiro e São Paulo. O repertório
dos Replicantes é feito de muito punk rock marcado
por letras irônicas e agressivas, que também
estarão presentes no próximo álbum. Wander
conta que o grupo tem muitas músicas não gravadas,
inclusive do início de carreira e adiantou que o disco
será divulgado durante uma turnê na Europa, entre
abril e junho do próximo ano.
O novo álbum terá, além de Wander, os
irmãos Heron (baixo) e Cláudio Heinz (guitarra),
e o único músico que não é da
formação original, mas que também não
é nenhum novato na banda, o ex-integrante de Os Cobaias,
Cléber Andrade. Quando Gerbase deixou a bateria para
substituir Wander no vocal, quem assumiu foi a Biba do grupo
De Falla, mas depois de dois ensaios, foi substituída
por Cléber. “Ela achou que éramos muito
loucos (musicalmente). E também ele combinava melhor
com a nossa ignorância técnica”, explica
Gerbase.
Ignorância técnica não é exagero.
Quando começaram, ninguém sabia tocar um instrumento
e não é à toa que, inspirados no filme
Blade runner, escolheram Os Replicantes para nome
da banda. “Achávamos legal sermos como andróides,
não-humanos, programados para morrer logo. Éramos
não-músicos, programados para acabar logo”,
conta Gerbase. Mas não foi isso que aconteceu.
A história do grupo começou em novembro de 1983.
“Porto Alegre não tinha muita coisa para fazer
no verão. E todo mundo estava de saco cheio do que
tocava nas rádios. A música brasileira era um
horror, um pastiche. Todo aquele pessoal que veio do nordeste
com músicas bacanas tinha sido engolido pela indústria
fonográfica. Era a pior época da Bethânia,
Gal, Caetano. Os produtores de discos só faziam coisas
muito iguais”, lembra Wander. A alternativa era ouvir
as canções de outros países, entre elas
um rock tocado mais rápido, em que a atitude era mais
importante do que a música, o punk rock dos Sex Pistols.
Três dos quatro futuros integrantes de Os Replicantes
- Carlos Gerbase, Cláudio e Heron Heinz – ouviram
dizer que o grupo inglês começou sem os integrantes
saberem tocar direito e decidiram fazer a mesmo. Gerbase comprou
uma bateria Pingüim, e a amiga e futura produtora, Luciana
Tomazi, comprou “no crediário” baixo, guitarra,
microfone e amplificador: os mais baratos que tinham na loja.
Depois de um mês e meio, já tinham sete músicas,
mas continuavam sem saber tocar.
Wander estava em turnê com a equipe de Alceu Valença,
como iluminador dos shows do cantor. Quando chegou em Porto
Alegre, pegou a guitarra de um amigo e levou para o ensaio
do grupo, mas também não conseguiu tirar uma
nota do instrumento. Enquanto os três integrantes estavam
“de férias”, ouviu e cantou por um mês
as músicas gravadas pela banda em uma fita cassete.
“Nós achávamos que precisava de um cara
igualmente ignorante em termos musicais para cantar na nossa
banda ignorante”, conta Gerbase. Quando voltaram, Wander
sabia as letras de cor e cantava interpretando os personagens
das músicas. Então Gerbase passou o vocal ao
Wander e ficou apenas como baterista.
A
idéia inicial era ensaiarem numa garagem apenas por
diversão, mas os amigos começaram a assistir
e a garagem ficou pequena demais. O primeiro show foi durante
um aniversário, no quintal dos fundos de uma casa.
Apesar do público reduzido, cerca de 30 pessoas, Wander
cantou de óculos escuros e olhos fechados. “Estava
com pavor de tocar para mais gente do que tinha no ensaio.”
Mas o futuro baladeiro foi perdendo o medo e não demorou
muito para a banda fazer a primeira apresentação
profissional, em março de 1984, no Bar Ocidente. O
público recebeu o grupo com ovos e tomates.
Depois de várias apresentações, Os Replicantes
gravaram um compacto pelo selo independente do grupo, o Vórtex
e, em 1985, participaram com outras bandas do disco Rock
Garagem 1. O compacto foi pra São Paulo, onde
começou a tocar em algumas rádios. Eles decidiram
fazer um disco independente e reservaram um estúdio,
mas uma semana antes da gravação, a RCA convidou
a banda para participar da coletânea Rock Grande
do Sul - com De Falla, Engenheiros, TNT e Garotos da
Rua. O grupo gravou com a condição de que fizessem
também um LP só da banda, e assim foi lançado
o primeiro álbum, O futuro é vórtex.
O disco começou a fazer sucesso e Os Replicantes foram
convidados para se apresentarem no programa do Chacrinha,
mas não aceitaram. “A gente ia se sentir meio
ridículo fazendo playback. Não tem nada a ver.
Nunca abrimos mão de tocar ao vivo, só em clipes,
porque é uma coisa totalmente diferente”. Lançaram
em 1987 Histórias de sexo e violência,
do qual também participa a ex-produtora da banda, tocando
teclado. Em 1989, gravaram Papel de mau, o último
disco com Wander Wildner.
Na época do terceiro álbum, abriram o Vórtex,
um bar com monitores, que transmitiam imagens de um estúdio
interligado. “A gente conviveu um ano diariamente junto
como nunca tinha convivido. Ficou demais, já discutia.
Comecei a compor, tocar baixo, guitarra e não queria
mais cantar”, explica Wander. Das doze músicas
de Papel de mau, ele canta quatro e Gerbase, o restante.
Wander também queria fazer mais shows, mas isso não
era possível porque, com exceção dele,
todos os integrantes tinham outras profissões. Nessa
época, a inflação no Brasil chegou a
80% em um ano, e tiveram que vender tudo que tinham no bar
para pagar as reformas do local. “Aquilo tudo cansou
e acabei saindo”.
Com o retorno ao vocal do grupo, Wander vai dar prioridade
aos Replicantes, mas a carreira solo não acabou. Tem
um disco pronto, o Pára-quedas do coração.
Para o lançamento do novo trabalho, só falta
acertar a distribuição com uma gravadora. “Estou
voltando agora, mas sem nenhum saudosismo, nunca tinha pensado
em voltar. Talvez isso vire a profissão dos outros
como virou a minha, mas em primeiro lugar vem o prazer, tocar
pelo prazer de tocar. Uma das coisas que eu queria fazer quando
saí era viver só de música, viajar mais,
só que não podia. Agora acho que a gente vai
seguir de onde saí”.
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