Entre
os aspectos positivos do processo eleitoral deste ano
deve-se destacar o comportamento surpreendentemente
imparcial e democrático das redes de televisão,
principalmente da rede Globo. A emissora carioca tem
um histórico de colaboração com
os políticos conservadores, que vai desde ignorar
a campanha Diretas Já em 1984, até só
noticiar com destaque a campanha de Impeachment de Fernando
Collor quando era certo que iria triunfar. Isto sem
esquecer a edição do debate para o Jornal
Nacional em 1989, quando o ex-presidente Collor foi
beneficiado no confronto contra Luís Ignácio
Lula da Silva.
A iniciativa de entrevistar os quatro principais candidatos
por dez minutos no telejornal com mais audiência
do país foi o primeiro grande passo da cobertura.
Sem menosprezar a cobertura das outras redes, num país
em que um canal de televisão tem mais audiência
que todos os outros juntos, era natural que as jogadas
da Globo conduzissem a cobertura jornalísticas.
Mas o mais importante não foi a idéia,
mas a maneira como os apresentadores fizeram as entrevistas.
Os candidatos foram igualmente pressionados a explicar
pontos obscuros de seus projetos políticos e
situações do passado. Muito bem preparados
para cada um dos encontros, Willian Bonner e Fátima
Bernardes deixaram uma impressão tão boa,
que o escritor Luís Fernando Veríssimo
chegou a propor o nome de Bonner para presidente.
A audiência e a enorme repercussão dessas
entrevistas foram o sinal verde para aumentar a cobertura
de política na TV. Entrevistas em moldes semelhantes
foram marcadas na Bandeirantes, SBT e Record. Além
disso, houve quatro debates para a presidência
e outros para os candidatos aos governos estaduais.
No segundo turno, as entrevistas continuaram, mas o
único debate presidencial foi o de sexta-feira,
25 de outubro, na rede Globo. Talvez para se redimir
da edição que fizeram no debate de 89,
o formato escolhido não deu a José Serra
o confronto direto que o tucano tanto queria. Ambos
candidatos ficaram em pé caminhando por uma arena
e respondendo a perguntas de eleitores indecisos. O
formato não convenceu porque àquela altura
os candidatos já não tinham nada de novo
para acrescentar. Mesmo assim muitos jornalistas como
Alberto Dines consideraram o cenário em arena
muito melhor que o tradicional.
O modelo de cobertura posto em prática em 2002
pode não sobreviver até as próximas
eleições. Se houverem candidatos inexpressivos
com alguma representação no Congresso,
eles devem ter igual espaço na cobertura. Em
1998, por exemplo, o candidato Zé Maria, do PSTU
participou dos debates - e foi solenemente ignorado
pelos outros candidatos. Caso houvessem entrevistas
nos telejornais, ele teria direito aos mesmos dez minutos
que candidatos com a expressividade de Lula ou Garotinho.
Nas próximas eleições talvez tenhamos
uma overdose de Enéas.