Número 3 - Ano I - Edição fechada em 13 de Dezembro de 2002 Florianópolis-SC
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“A palavra repórter designava, em sua origem inglesa, o investigador. A reportagem, em sua origem era, por natureza, investigativa”, explica Edson Vidigal, vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça, durante o Seminário Internacional sobre Jornalismo Investigativo, que aconteceu em São Paulo, nos dias 6 e 7 de dezembro. No evento, 160 jornalistas de todo o Brasil discutiram formas de aprimorar o trabalho jornalístico, como utilizar a internet na busca de informações e também a criação de uma associação brasileira de jornalistas investigativos. A idéia é seguir os moldes da americana Investigative Reporters and Editors (IRE), que tem cerca de quatro mil associados.

Para o jornalista Fernando Rodrigues, da Folha de São Paulo a formação da entidade “foi a grande notícia do ano na área jornalística”. A criação de uma IRE brasileira vem sendo discutida deste o início do segundo semestre de 2002, mas só ganhou força depois de um seminário sobre reportagem investigativa realizado no Rio em agosto passado, pouco depois do assassinato de Tim Lopes, repórter da rede Globo.

Alves: EUA tem forte tradição“O país já tem uma forte tradição em jornalismo investigativo”, diz Rosental Calmon Alves, professor da Universidade do Texas. Ele compara a situação atual brasileira com norte-americana, na época em que a IRE teve uma projeção nacional. Em 1976, jornalistas americanos se mobilizaram para protestar contra o assassinato do repórter Don Bolles, em Phoenix, no Arizona.

O seminário contou com a presença de Brant Houston, diretor da IRE e Pedro Enrique Armendares, da Periodistas de Investigación – uma rede de jornalistas de vários países da América Latina. O evento foi financiado pelo Centro Knight de Jornalismo nas Américas, criado na Universidade do Texas em Austin, graças a uma doação da Fundação John S. and James L. Knight, braço filantrópico de uma das principais redes de jornais dos EUA, a Knight Ridder. “Nosso principal objetivo é ajudar jornalistas da América Latina a promover programas de aperfeiçoamento profissional, que visem a fortalecer a imprensa livre e independente na região”, diz Rosental Calmon Alves, diretor do centro.

Beraba: evitar matérias friasUm dos organizadores do evento, Marcelo Beraba, diretor da sucursal do diário Folha de São Paulo no Rio de Janeiro fala sobre o seminário e a criação da associação. Ele diz que objetivo da instituição é promover congressos, seminários, oficinas especializadas, editar livros e cuidar do aperfeiçoamento profissional dos jornalistas interessados no tema investigação. Espera também que a associação seja sem fins lucrativos, mantida pelos próprios jornalistas.

Zero - O trabalho da IRE começou em 1975. O que levou a criação de uma associação e quais foram os benefícios que ela trouxe?
Marcelo Beraba
- A entidade tem sido fundamental na formação, reciclagem e treinamento dos jornalistas dos EUA e no intercâmbio entre eles. Ela é talvez a principal responsável pela expansão do jornalismo investigativo nos EUA e em outros países do mundo.

Z - Um dos workshop do seminário foi sobre técnicas de reportagem assistida por computador (CAR). É possível fazer uma reportagem na frente de um computador? Ela substitui as formas tradicionais de apuração? Não se perde detalhes que só poderiam ser averiguados com a presença do repórter?
Beraba
- Possível, é. Você pode perfeitamente fazer excelentes matérias a partir de bons bancos de dados se souber trabalhar com um gerenciador de bancos (como Access) além de um programa de planilha - tipo Excel. Você pode encontrar muitos exemplos. O problema é que você acaba tendo matérias frias, sem cor e sem emoção e, às vezes, a falta destes elementos acaba diminuindo o impacto dos números. O ideal é que o resultado do trabalho no computador sirva de base para uma reportagem com personagens, clima, tendências, observações, detalhes, entrevistas.

Z - Estudiosos do tema como Philip Meyer falam de um Jornalismo de Precisão, com o uso intensivo de informaçoes obtidas em banco de dados. Mas como garantir a confiabilidades de fontes acessadas através de bancos de dados da Internet ?
Beraba
- Com os mesmos recursos que usamos hoje para checar a origem e a confiabilidade de bancos de dados, relatórios e índices em papel. É necessário conhecer a entidade que divulga, a seriedade, seu histórico como fonte de informação, sua credibilidade. Para isso, é necessário ter contato direto com a entidade e obter informações com especialistas da área. O que não se pode é considerar como informação confiável qualquer informação que corre na Internet.

Z - Quais foram as técnicas de jornalismo investigativo apresentadas neste Seminário Internacional? Existe uma diferença entre a investigação praticada nos EUA e em países latinos como o Brasil ?
Beraba
- O seminário teve três painéis distintos. Um deles tratou de um problema sério da sociedade, a lavagem de dinheiro. Os outros dois foram sobre ferramentas disponíveis hoje para o jornalismo, investigativo ou não: o uso da própria Internet como fonte onde se pode buscar informações, e o uso de programas que facilitam o trabalho jornalístico, se bem utilizados, como gerenciador de banco de dados e planilhas de cálculo.
Os fundamentos da reportagem investigativa são os mesmos de qualquer reportagem: entrevistas, planejamento, observação, pesquisa, documentação, checagem. A diferença é que as reportagens investigativas geralmente exigem mais tempo de apuração porque exigem mais aprofundamento e, porque quase sempre, têm de vencer obstáculos sérios como a dificuldade de se obter provas documentadas. Uma definição, que considero imperfeita, de jornalismo investigativo é esta: aquela produção feita pelo próprio repórter (ou seja, não é a divulgação de relatórios ou denúncias cruas feitas pela polícia, pelo MP ou pela Justiça), de relevância para a sociedade, e que alguém tem interesse em esconder os dados.
Os Estados Unidos, por terem uma cultura democrática mais antiga e sem interrupções, e por ter uma economia muito mais forte, têm muito mais experiência do que qualquer outro país na área do jornalismo investigativo. Nós tivemos uma interrupção de mais de 20 anos de ditadura militar e só a partir de 85 pudemos retomar a sua prática com regularidade.

Z - O encontro teve quantos participantes ? Qual o balanço que o senhor faz do evento ?
Beraba
- Segundo a Knight Foundation, os seminários juntaram cerca de 160 jornalistas. Na discussão sobre a nova associação de jornalistas investigativos tínhamos cerca de 60 pessoas. Achei o evento excelente porque foi muito prático e útil.

Z - Durante o seminário sobre Jornalismo de Investigação foi discutida a criação de uma associação no moldes da IRE para o Brasil. Como vai funcionar essa associação ? Quais outros exemplos de associações similares no mundo ?
Beraba
- Vários países da Europa, as Filipinas e o México já têm associações similares ao IRE. A nossa associação apenas agora começa a se organizar e ainda estamos discutindo nome e funcionamento.

Wendel Martins

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