Número 3 - Ano I - Edição fechada em 13 de Dezembro de 2002 Florianópolis-SC
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Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a presidência e a forte participação popular na campanha, a democracia brasileira foi reforçada. Pode-se dizer que o país, vinte anos depois da ditadura, amadureceu politicamente, se fez entender através do voto. Daqui para frente, a democracia será cada vez mais organizada e respeitada.

Mas existe um setor da sociedade que ainda não conhece democratização. Um setor com altíssima concentração de poder econômico e político, que determina valores culturais e morais da sociedade. Poder hereditário, passado de geração para geração, que elege e derruba governantes. Curiosamente, pertence à União, ou seja, ao povo brasileiro, que ainda está longe de partilhá-lo. É o setor das comunicações. Estão incluídas aí todas as emissoras de televisão, rádio, as mídias impressas e on-line.

O direito de usar as ondas de rádio e televisão, uma vez que pertence à União, é dado pelo Estado, através de concessões. É aí que começa o problema da concentração de poder. Um estudo de Israel Bayma, assessor do PT na Câmara dos Deputados, afirma que 37,5% das concessões de rádio e TV dadas pelo governo pertencem à políticos filiados ao PFL, 17,5% aos do PMDB, 12,5% aos do PPB, 6,3% aos do PSDB e 3,8% aos do PDT.

Não são só as concessões que demonstram a discrepância. Outra pesquisa, do Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação (Epcom), acusa o grande poder reservado às seis redes privadas nacionais de TV. As “cabeças de rede” (Globo, SBT, Record, Bandeirantes, CNT e Rede TV!) controlam 667 veículos de comunicação, através de seus afiliados regionais. Incluem-se entre eles 294 emissoras de televisão em VHF, quinze em UHF, 122 emissoras de rádio AM, 184 de FM e 50 jornais diários. Esses dados mostram o imenso poder de influência dessas empresas.

Diante desse quadro a sociedade reage, principalmente os que moram em comunidades pobres e favelas. Justamente os mais vulneráveis à ideologias de poucos. A mídia com melhor potencial para democratizar as informações é o rádio. Segundo o Artigo 1º da Lei 9612, de 1998 – a que instituiu o serviço de radiodifusão comunitária –, essas rádios, criadas para proporcionar “informação, cultura, entretenimento e lazer a pequenas comunidades”, transmitem em freqüência modulada (FM), até 1Km da sua antena. Através delas a comunidade tem o poder da palavra, manifesta seus pensamentos, se organiza melhor. Nas programações encontram-se campanhas de prevenção à gravidez, doenças sexualmente transmissíveis (AIDS, principalmente ) e até músicos e artistas independentes, que não têm vez na programação das emissoras líderes de audiência.

Mas essas rádios têm dificuldades para se manter dentro da lei. Para funcionar, uma rádio comunitária tem que pedir concessão para o governo, através da Anatel - Agência Nacional de Telecomunicações. A burocracia, que começa nas administrações municipais, trava os pedidos de autorização no Ministério das Comunicações. Desde 1998, só concedeu 1611 autorizações de funcionamento para os mais de 7300 solicitados. Isso significa, potencialmente, que cerca de 5800 rádios ficam clandestinas, e, portanto, não podem funcionar. Com seus pedidos de concessão sem tramitar há meses, algumas rádios realizam suas transmissões, tornando-se ilegais.

Uma vez fora da lei, as rádios são denunciadas pela Anatel, responsável também pela fiscalização sobre radiodifusão comunitária. As rádios são então lacradas e têm seu equipamento apreendido pela PF, além de prender os responsáveis, que pela lei 9612/98, só podem ser “federações e associações comunitárias, sem fins lucrativos, legalmente constituídas e com sede na comunidade onde pretendem executar o serviço”. Assim as comunidades não podem exercer seu direito à comunicação, à informação e ao usufruto de patrimônio cultural, artístico e estético, garantido pela Constituição. Em Florianópolis, por exemplo, não há rádios comunitárias em funcionamento, já que todas foram tiradas do ar pela PF. Em Porto Alegre, das dez rádios que existiam, nove foram lacradas, justamente quando estava sendo veiculada uma campanha de saúde financiada pela Unesco. No Rio de Janeiro, são 600 rádios não regularizadas pelo ministério.

Organizações como a Abraço (Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária), FNDC (Fórum Nacional de Democratização das Comunicações) e Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) acreditam que o problema, presente no Brasil inteiro, está na má vontade do ministério em facilitar o processo, desculpando-se através da complicada burocracia. Por isso, esses órgãos apóiam as propostas políticas de mudança nas leis, acreditando que a transferência da responsabilidade pelas concessões de rádios comunitárias passe ao poder local, o que agilizaria o processo. É o que propõe o Projeto de Lei 145 de 2001, dos vereadores paulistanos Carlos Néder (PT) e Ricardo Montoro (PSDB), que está há um ano e meio tramitando na Câmara e já foi aprovado por unanimidade em todas as comissões de praxe - Justiça, Finanças e Orçamento, Política Urbana, etc.

Teoricamente, portanto, as previsões para a solução do problema são boas, já que o novo Ministério das Comunicações será comandado pelo futuro governo petista, O PT é reconhecido por sua luta pela democratização das comunicações e deve concordar com as organizações preocupadas com a situação atual. Além disso Lula sentirá um afrouxamento da pressão política das grandes redes, que atrapalhou os esforços dos últimos anos, devido à crise por que passa o setor, gerada na queda de anunciantes e pelo fracasso financeiro das redes de TV por assinatura. Assim, os grandes terão que sentar para discutir com os cidadãos organizados e decidir sobre uma nova regulamentação.

Luiz Fakri

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