Número 2 - Ano I - Edição fechada em 21 de Novembro de 2002 Florianópolis-SC
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Uma justiça cega, a corrupção em altos escalões do governo, um governador tentando a reeleição, grilagem de terras públicas: esses são os elementos de uma história que trouxe a censura de volta à imprensa nacional. O jornal em questão, Correio Braziliense, foi impedido de publicar gravações telefônicas feitas pela Polícia Federal - com autorização judicial - que envolviam integrantes do governo do Distrito Federal em esquemas de apropriação de terras públicas. A ordem, expedida pelo desembargador Jirair Meguerian determinava ‘‘busca e apreensão, com arrombamento ou entrada compulsória, na sede do jornal, se houvesse necessidade”. Para Victor Gentilli, editor do sítio Observatório da Imprensa e professor da Universidade Federal do Espírito Santo, o episódio ocorrido com o Correio Braziliense vai ficar na história da imprensa e da democracia brasileira: é a primeira vez, desde a ditadura militar, que um jornal de grande porte é vítima de censura explícita”.

O pedido de censura prévia foi feito pela coligação Frente Brasília Solidária, do governador reeleito Joaquim Roriz (PMDB), sob a alegação de que o Correio Braziliense iria divulgar as escutas feitas nos telefones dos irmãos Passos , os maiores grileiros do Distrito Federal. Ricardo Yoshida, oficial de justiça e Adolfo Marques da Costa, advogado de Roriz, fiscalizaram a redação e a gráfica do jornal, além de vistoriar todas as páginas da edição de 24 de outubro. Marques da Costa disse que o jornal não sofreu censura porque “não havia polícia” na redação e afirmou que o governador Joaquim Roriz tem demonstrado um “espírito democrático muito grande”.

Dotado desse “grande espírito democrático”, Roriz, negou a autoria da censura durante o programa eleitoral do dia seguinte. Horas depois de aparecer na televisão, entretanto, investiu novamente contra a liberdade de imprensa, pedindo à Justiça que enviasse um oficial para fiscalizar a redação do jornal. Mas o juiz Carlos Eduardo dos Santos indeferiu o pedido, por considera-lo “desnecessário”. Também disse que a “medida somente contribuiria para adicionar contornos políticos a uma questão que deveria ter sido tratada apenas no âmbito jurídico”. Durante a noite, um advogado do governador esteve na redação do Correio Braziliense para entregar uma carta, confirmando que as fitas estavam protegidas por segredo de justiça. Roriz tinha medo de que o conteúdo das gravações fosse divulgado, já que na mesma sexta-feira o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) revogou a censura prévia imposta ao jornal. Até o fechamento desta edição, os jornais de Brasília continuavam impedidos de publicar trechos de fitas que envolvem Roriz na grilagem de terras, e qualquer veículo que queira divulgar seu conteúdo terá que responder criminalmente.

Não foi a primeira vez que a Frente Brasília Solidária tentou censurar o diário. Na véspera do primeiro turno, advogados da coligação, alegando que o jornal iria publicar um encarte especial para divulgar o conteúdo das fitas, pediram à Justiça que censurasse o jornal. O advogado do jornal, Francisco Caputo, contesta a suspeita de que o diário vai publicar as conversas que ligam Roriz à máfia da grilagem e se impressiona com o fato de o governador “movimentar toda a máquina judiciária para, injustificadamente, censurar o conteúdo do jornal”.

Em outro episódio recente, a Frente Brasília Solidária obteve direito de resposta contra o Correio Braziliense. Os advogados de Roriz alegaram que o teor das informações da matéria “Aliança fechada” na madrugada ofendeu a honra do governador ao afirmar que ele ofereceu, em troca do apoio do vice-governador Benedito Domingos (PPB), ‘‘R$ 20 milhões, além de uma secretaria, a direção de três estatais e a administração de Taguatinga”

Brasília, capital da censura - Não é só o Correio Braziliense que sofre censura da justiça em Brasília. Outros três jornais, A Tribuna do Brasil, Jornal da Comunidade e Jornal de Brasília, também estão impedidos de publicar conteúdo das fitas gravadas pela Polícia Federal. Na edição de 24 de outubro, o Jornal de Brasília trouxe, como o Correio Braziliense, um box com tarja “Censurado - o JBr está sob censura do TRE”. Além disso o PT obteve três liminares impedindo a publicação de reportagens sobre recebimento de dinheiro para regularizar os condomínios, a publicação de fitas em que o grileiro Germano Carlos faz acusações a Magela e também de conversas de Pedro Passos com Hermes de Paula, ex-secretário de Obras de Cristóvam Buarque.

“Ao contrário do que dizem, o Jornal de Brasília não é ligado a Joaquim Roriz. Esse boato colou e, desde então, somos acusados de patrocinar o atual governo”, diz Paulo Pestana, diretor de redação. Segundo o jornalista, a censura ao JBr não tem tanta repercussão como a que ocorre com o Correio “porque a assessoria de imprensa do jornal não é tão boa quanto à do concorrente”.

Outro diário, Tribuna do Brasil, sofreu uma ação mais violenta, em setembro. Agentes da Polícia Federal estiveram na redação com mandado de busca e apreensão contra matérias que acusassem Magela de estar envolvido na regularização ilegal de condomínios. Os policiais foram até a gráfica, onde confiscaram 20 exemplares de uma edição já publicada. Depois disso, segundo disse José Antônio Alves, diretor de redação da Tribuna do Brasil ao sítio Comunique-se, entraram na redação e vasculharam gavetas de repórteres e fotógrafos, examinaram documentos administrativos e impediram os funcionários de usar o telefone. “Somos contra a censura. Essa perseguição por parte do PT começou em julho, em função da manchete ‘PT quer calar a Tribuna’ e também pelas matérias favoráveis a Roriz”, complementa Alves.

O PT também impediu a circulação de denúncias contra Magela feitas pelo deputado distrital Tadeu Filipelli (PMDB), aliado de Roriz. Na sexta-feira 25, um advogado do partido e um policial militar, sem mandado de busca, tentaram impedir a distribuição do jornal Coletivo, que tem tiragem de 60 mil exemplares e circula diária e gratuitamente, no metrô da cidade. Um dia antes, policiais militares e um oficial de justiça entraram na redação do Jornal da Comunidade para recolher qualquer tipo de material que fizesse referência a Magela.

Sobram protestos, da direção do Jornal de Brasília e da Tribuna do Brasil sobre a pequena repercussão dos casos de censura e dos diários não terem recebido apoio de nenhum órgão representativo da imprensa e da sociedade civil. “Nenhuma entidade, como a OAB ou o Sindicato dos Jornalistas se pronunciou a nosso favor”, reclama Alves. Edgard Tavares, presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal, se defende, dizendo que condenou publicamente o que ocorreu na Tribuna. “Quando os agentes estiveram lá me ligaram e me entrevistaram. Eu condenei a ação no jornal”. Ele acrescenta que a direção do Jornal de Brasília não informou o sindicato sobre a censura sofrida.

Wendel Martins

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