Número 1 - Ano I - Edição fechada em 29 de Julho de 2002 Florianópolis-SC
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Cansados da guerra civil que já dura mais de 40 anos, e de grupos armados e guerrilhas ligados ao narcotráfico sequestrando intensamente, os colombianos provaram, nas eleições de 26 de maio, que não têm mais paciência para aturar negociações de paz que não funcionam. Por isso, elegeram, no primeiro turno, um candidato direitista e de passado suspeito: o “linha-dura” Alvaro Uribe de 49 anos.

Uribe anunciou, desde o início da candidatura, que não vai dar trégua para a guerrilha, e que somente ele tem a força e as idéias para combatê-la. Antes de ser eleito, já falava em pedir mediação internacional para os alarmantes problemas da Colômbia. “Segurança significa ordem e liberdade. Se usam o terrorismo, os enfrentamos. Se o abandonam, dialogamos. Creio no diálogo, mas isso não significa que abraçarei delinqüentes.”

O ex-presidente, Andrés Pastrana, passou os últimos quatro anos negociando com os guerrilheiros e chegou a ceder territórios para as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, principal organização do gênero). Desistiu depois de perceber que os rebeldes não estavam interessados no processo de paz. Foi nesse clima de desânimo que surgiu Uribe surgiu com sua proposta de não negociar com guerrilheiros, mas tentar combatê-los à força, numa demonstração de autoridade que, acredita ele, é o que falta ao governo.

Suas propostas chamaram a atenção da população amedrontada com tanta violência e forçada a conviver com atentados diários contra sua liberdade. Uma pesquisa realizada antes das eleições pela revista Semana mostrou que 64% dos colombianos acreditam que a guerrilha pode ser derrotada militarmente. O fracasso do governo de Pastrana e as ações de enfrentamento das Farc seriam, portanto, fatores responsáveis pelo avanço de Uribe.


Triste realidade
- A guerra civil na Colômbia, iniciada nos anos 60, vive sua fase mais sangrenta, após a ruptura do processo de paz com as FARC em fevereiro. O narcotráfico, que nos anos 80 desestruturou as instituições do país e trouxe uma onda de violência sem precedentes, acabou incorporado à guerra, como meio de financiamento dos grupos rebeldes e paramilitares, alimentando ainda mais o conflito.

A Colômbia ainda atravessa a mais grave crise econômica desde 1930, tem o título de “país campeão de seqüestros”, com uma média anual superior a três mil crimes desse tipo, uma multidão de três milhões de refugiados internos pelo conflito (quase 7% da população) e um fluxo cada vez mais intenso de pessoas e empresas rumo ao exterior – só no primeiro trimestre deste ano 54 mil colombianos já deixaram o país.

Neste momento duas mil pessoas encontram-se sequestradas no país – entre elas, Ingrid Betancourt, senadora e ex-candidata à presidência, refém das FARC. Entre janeiro e março, pelo menos 128 pessoas morreram em 23 massacres, e 42 autoridades e líderes comunitários foram assassinados. Lutando contra as tropas do governo e os paramilitares de direita, as FARC matam em média 3.500 pessoas por ano. Foi nesse contexto que muitos viram em Uribe uma esperança para a solução dos problemas.

Inclusive, o governo dos Estados Unidos. O presidente americano George Walker Bush só não manifestou abertamente seu apoio a Uribe por pressões do Congresso e divergências no Departamento de Estado americano. Porém o apoio, não explícito, existiu antes, durante e depois de Uribe ser eleito o novo presidente da Colômbia, com 53% dos votos válidos. A perspicácia, do então candidato, em classificar as guerrilhas colombianas de organizações terroristas caiu agradou os irmãos do norte. Consumidores de 90% de toda a cocaína produzida na Colômbia, os EUA sempre insistiram em vincular a guerrilha ao narcotráfico. Em 2000, aprovaram o controverso Plano Colômbia, que destina US$ 1,3 bilhão para o combate do tráfico de drogas. O plano, até agora, não teve grandes resultados, mas a Colômbia tornou-se o terceiro país que mais recebe ajuda americana. Com os empréstimos, em apenas um ano, sua dívida externa dobrou, atingindo US$ 34 bilhões.


Adversários de Uribe - Entre os defensores dos direitos humanos, as propostas de Uribe causaram revolta. Uma de suas idéias é duplicar os efetivos do exército e da polícia. O novo presidente pretende, ainda, criar uma rede nacional com um milhão de delatores para combater a guerrilha nos bairros e nas zonas comerciais. Tudo isso terá um custo enorme, num país que já gasta 12,5% do orçamento com defesa e segurança, enquanto a educação consome 4,4% e a saúde, míseros 1,7%.

Os gastos, contudo, não devem ser uma das preocupações de Uribe, uma vez que, ao que tudo indica, terá auxílio financeiro e militar dos EUA. Especialistas acreditam que os grupos guerrilheiros – FARC, Exército de Libertação Nacional (ELN) e paramilitares de direita – atrapalham os interesses americanos, que equiparam a ação dos guerrilheiros colombianos ao terrorismo internacional. A “caridade” americana seria, nesse caso, desculpa para intervir nos conflitos.

Passado obscuro - Alvaro Uribe é acusado de ter envolvimento com os paramilitares de direita, apesar de já tê-lo negado publicamente. Entre 1995 e 1997, como governador do estado de Antioquia, patrocinou grupos de cidadãos armados acusados por críticos do governo acusam de terem ligação com a guerrilha.

A região oeste do Estado sofria, desde os anos 80, com disputas constantes entre produtores rurais e sindicatos de trabalhadores e com a interferência de narcotraficantes, grupos guerrilheiros e paramilitares. Ao assumir o governo, Uribe criou mais de 70 cooperativas privadas de segurança, chamadas Convivir, que foram uma de suas bandeiras como governador, impulsionando-o no imaginário popular como aquele que poderia pôr fim à guerrilha. Mais tarde, porém, as Convivir foram acusadas de serem embriões de grupos paramilitares. Apesar de sempre ter negado essas acusações, Uribe não conseguiu fugir do estigma de “candidato paramilitar”.

Também pesam contra ele acusações de ter mantido ligações com o narcotráfico. O jornalista americano Joseph Contreras lançou, apenas uma semana antes das eleições da Colômbia, uma biografia não-autorizada de Uribe que denuncia um suposto acordo, entre o ele o “chefão” do narcotráfico Pablo Escobar. O plano era capitalizar, como se fosse um projeto da prefeitura, a construção de casas populares, promovida pelo narcotraficante então em campanha para o congresso. Uribe nega tudo e acusa Contreras de ter escrito o livro com motivações eleitorais. Em março, expulsou Contreras de uma entrevista, após ser questionado sobre parte das denúncias, afirmando que não aceitava que correspondentes estrangeiros viessem à Colômbia para lhe fazer esse tipo de pergunta.

Sua recusa em falar do assunto não impede que se divulguem informações contra ele. Quando o seu pai foi assassinado em 1983, supostamente por guerrilheiros das Farc, Uribe pediu emprestado a Escobar um helicóptero para chegar à fazenda da família. Também é acusado de ter fornecido licenças de piloto para integrantes do cartel de Medellín, quando dirigiu a Agência de Aeronáutica Civil da Colômbia, nos anos 80.

Mariana Dauwe

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