Número 1 - Ano I - Edição fechada em 29 de Julho de 2002 Florianópolis-SC
História Prêmios Capas Jornal Laboratório Expediente Contato Home
Zero comemora 20 anos!
Conheça sua história.
Entre em contato com a gente.
Envie sua mensagem.
Zero garante verba para semestre 2002/2.
JORNALISMO - UFSC
Leia. Recomende aos amigos.
OUTROS LINKS DA UFSC



Família de refugiados num pequeno jipe que trazia onze pessoas, duas galinhas, um periquito e mercadorias penduradas / Foto: Márcia Bizzotto - ZeroO drama vivido pelos camponeses de Batata é idêntico ao de milhares de outros habitantes das regiões rurais da Colômbia. O deslocamento forçado foi considerado por instituições de defesa dos direitos humanos como o problema humanitário mais grave do país em 2000. Um levantamento feito pela Consultoria para os Direitos Humanos e o Deslocamento (Codhes), e pelo Centro de Investigação e Educação Popular (Cinep), organizações não governamentais com sedes na Colômbia, indicou o país como o segundo maior índice no mundo em número de refugiados internos naquele ano – atrás apenas do Sudão.

Em 2000, a população total de refugiados na Colômbia, considerados os quinze anos anteriores, somava 317.375 pessoas, membros de 65 mil famílias, o número mais alto registrado desde 1985, quando os grupos paramilitares ameaçavam e matavam membros da União Patriótica e de todas as organizações de esquerda. Esses dados, divulgados pelo Sistema de Informação de Famílias Deslocadas e Direitos Humanos (Sisdes), pertencente ao Codhes, conflitam com os números oficiais do governo colombiano: até 2000 seriam 128.843 refugiados, em 26.107 famílias. De acordo com levantamentos do Sisdes, apenas em 2000 aconteceram 106 êxodos em massa na Colômbia, gerando um total de 52.229 refugiados. A entidade governamental RSS, por outro lado, divulgou 97 deslocamentos em massa naquele ano.

A pesquisa do Sisdes também revela que a população camponesa é a mais afetada pela violência: 81% dos refugiados viviam em zonas rurais. Desse total, 64% possuíam uma casa. Depois do deslocamento, apenas 11% dos refugiados continuam sendo proprietários de um imóvel.

O abandono forçado do campo é um fator que aumenta a crise agrária e modifica a composição demográfica e social das cidades colombianas. Pesquisas do Sisdes revelam que a maior parte desses refugiados migra para os grandes centros urbanos – em 1999 Bogotá recebeu 12,5% dos deslocados de todo o país, cerca de 30 mil pessoas em um estado de absoluta pobreza. Naquele ano, pessoas ameaçadas por grupos armados saíram de 243 pequenos municípios com destino a 400 cidades de médio e grande porte – mais de 30% do total de cidades existentes no país.

A conseqüência mais visível desse fenômeno é o rápido aumento da taxa de desemprego, agravando problemas de marginalidade, pobreza e exclusão. O nível de desemprego no país cresceu de 15,9%, em 1998, para 20,4%, em 2000, quando foi lançado o Plano Colômbia. Antes do deslocamento, apenas 2% dos chefes das famílias hoje refugiadas estavam desempregados. Esse número sobe para 48% depois que abandonam suas terras.

A segregação das classes sociais, sempre visível no país, tornou-se ainda maior no final dos anos 90. Nessa época, 57% dos colombianos viviam abaixo da linha de pobreza, enquanto 20% da população, os ricos do país, detinham 52% da renda do país. Na mesma época, dois grandes grupos financeiros eram proprietários de 47% dos meios de comunicações da Colômbia.
Desemprego e pobreza afetam diretamente o desenvolvimento das crianças, que crescem desnutridas e privadas de educação. Ainda de acordo com dados do Sisdes, 57% das crianças de famílias refugiadas são obrigadas a abandonar a escola devido aos deslocamentos. Esse dado, porém, não é o que mais preocupa os deslocados. As maiores necessidades, apontadas pela pesquisa, são serviços médicos (70%) e atenção psicológica (13%).

O temor dos camponeses é generalizado: a maioria tem medo tanto de guerrilheiros quanto de paramilitares e do exército. Mas, no levantamento feito pelo Sisdes, 54% dos refugiados em 1999 indicaram ações paramilitares como razão das fugas. Dando como razão a insegurança ainda existente em seus lugares de origem, 53% dos deslocados manifestaram o desejo de permanecer no local para onde migraram. Outros 26% se disseram dispostos a um reassentamento. Apenas 19% concordariam em voltar para suas terras, mas com uma ressalva fundamental: dentro de condições de justiça e dignidade.

Desde quando esta reportagem começou a ser elaborada, em julho de 2001, até sua finalização, em abril de 2002, a situação da Colômbia não melhorou. O fim dos diálogos de paz e das zonas desmilitarizadas em fevereiro de 2002 incitou a onda de seqüestros e chantagens por parte das Farc.

As ações violentas de todas as facções armadas ganham atualmente uma nova dimensão, com ataques cada vez mais freqüentes aos centros urbanos. Em Barrancabermeja, uma cidade de 283 mil habitantes no centro da Colômbia, sede de companhias refinadoras de petróleo, 216 pessoas foram assassinadas nos primeiros sete meses de 2001, quando os paramilitares tomaram o poder das mãos dos guerrilheiros do ELN. Nessa época, 350 famílias abandonaram suas casas na cidade. A ONG Assembléia pela Paz denunciou à imprensa internacional que a tomada paramilitar de Barrancabermeja teve início em janeiro de 2001, “com a ajuda da polícia local e do exército”.

O diretor do Programa de Desenvolvimento e Paz do Madalena Médio (região ao norte da Colômbia), padre Francisco de Roux, também denunciou conivência de autoridades com grupos paramilitares. Segundo ele, também em 2001 os paramilitares tomaram a cidade de Peque – no Estado de Antioquia, também ao norte do país – sem qualquer oposição dos militares que faziam a segurança da área. Ao mesmo tempo, paramilitares detidos em flagrante foram colocados em liberdade. Centenas de famílias fugiram para Medellín. Importante notar que, segundo dados do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), 24,7% do PIB da Colômbia é destinado ao combate à violência – no Brasil esse índice é de 10,5%.

Márcia Bizzotto

Leia também:
Governo de extrema-direita promete acabar com guerrilha
Políticos abandonam cargos por causa da ameaça das FARC
Vice inspirou personagem de García Márquez
O que os americanos querem é petróleo
Na Colômbia, a overdose é de veneno
Guerrilha tem apoio da população rural e universitária
Triste sina: usurpação, migrações e assassinatos
"O dinheiro aqui vem de cultivos ilícitos"
Tráfico financia matadores
Desde 80 mais de 100 jornalistas foram assassinados

página principal
Se você tiver algum problema ao navegar nesta página envie um email para zero@cce.ufsc.br.
Visite a geleria de capas do jornal impresso e conheça um pouco
mais da história do Zero.